Política
A bazuca do BCE - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 08/09Há dois dias, o chefe de governo da Espanha, Mariano Rajoy, lembrava que a disparada dos juros cobrados pelos investidores em títulos de dívida da Espanha não são o resultado da deterioração dos fundamentos da economia espanhola, mas das dúvidas que persistem sobre a consistência do euro. Seguem-se daí duas coisas: (1) não tem cabimento pagar juros tão extorsivos na administração da dívida espanhola; e (2) a área do euro inteira terá de assumir esses estragos, não somente a Espanha.O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, bem que vinha advertindo que os desdobramentos da crise do euro impedem que a política de juros, a mesma para todo o bloco, alcance toda a área do euro uniformemente. Daí porque, concluía ele, seriam necessárias decisões fora de padrão para restabelecer a eficácia da política.Quinta-feira, Draghi anunciou o início do que vinha a ser denominado como o uso de sua bazuca. São novas emissões de moeda, sem limite definido, cujo objetivo é recomprar no mercado secundário títulos de dívida de até três anos que vêm sendo rejeitados pelo mercado, especialmente os da Espanha e da Itália.A ideia é criar mercado para esses títulos de dívida para que seus rendimentos (yield) possam cair da faixa dos 6% ou 7% ao ano para níveis suportáveis.Essas compras levam agora o nome de Operações Monetárias Diretas (Outright Monetary Transactions - OMT) e terão quatro características básicas: (1) serão feitas por meio dos fundos europeus de estabilidade; (2) exigirão dos devedores contrapartidas e cumprimento de metas, à semelhança do que acontece com os empréstimos do Fundo Monetário Internacional; (3) não darão ao BCE tratamento privilegiado(em relação aos demais credores) na hipótese de calote ou renegociação de cláusulas contratuais; e (4) correspondem a emissões de moeda que serão imediatamente esterilizadas, ou seja, serão prontamente retiradas do mercado, para que não provoquem inflação.Essa última característica tem como intenção aplacar a Alemanha, até agora fortemente contrária a esse tipo de solução. Trata-se de operação fora de padrão porque é feita no limite da legalidade, na medida em que o BCE está proibido, por força dos tratados, de cobrir rombos orçamentários de países da área. A presidente Dilma, que se queixou tanto de que os grandes bancos centrais provocam tsunamis monetários com suas emissões de moeda, desta vez não tem do que reclamar.O primeiro impacto foi de alívio. O rendimento dos títulos da Espanha e da Itália caiu imediatamente nos mercados (veja o Confira) e as bolsas responderam com altas generalizadas.Mas, ninguém se iluda, o problema principal, que é a inconsistência dos fundamentos do euro, continua sem solução. Ele somente começará a ser equacionado quando o bloco der um Estado para o euro. E isso implica um mínimo de coordenação da execução dos orçamentos, o que, por sua vez, exigirá certa centralização do poder político. Não se vê nenhuma urgência para implantação dessas delegações de soberania. Pior que isso, a saída encontrada pelo BCE pode ser mais um pretexto para que a solução definitiva possa ser postergada mais uma vez.
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