Política
A crise acabou sem solução :: Villas-Bôas Corrêa
JORNAL DO BRASIL
Manda quem pode, obedece quem tem juízo. O velho adágio fora de moda ajusta-se, como a luva nos dedos das madames, à atuação do presidente Lula, tentando botar ordem na crise do Senado e preservando os alinhavos para a sucessão presidencial.
Não se pode garantir que Lula tenha solucionado a crise com uma conversa na mesa de jantar com a bancada rebelada do PT, previamente amaciada pelos conselhos sensatos do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) e de outros bombeiros improvisados, que afinal entenderam o que estava exposto com iluminação abundante: sem o apoio e os votos do PMDB, o esquema tático esboçado para a campanha eleitoral irá para o beleléu, levando na enxurrada a candidatura da ministra Dilma Rousseff, da escolha do presidente Lula e que algumas áreas do partido custaram a assimilar.
Mas a crise pode ser dividida em duas etapas: a do Senado, que ainda deve entrar pelo recesso parlamentar, pelas CPIs paralisadas pela maioria; e a da campanha, quando o bloco estiver na rua. Uma coisa engata na outra. As alianças partidárias para valer começam a ser desenhadas a partir da montagem das chapas, com os candidatos a presidente e a vice. Se os desacertos entre o PT, o PMDB e o DEM, além de outros partidos menores, não forem contornados agora, enquanto é tempo, cada um procurará o caminho da aliança possível.
Antes da chegada do ilustre viajante internacional, que passou três dias em Brasília, a pressão das lideranças oposicionistas para a renúncia ou o afastamento por pedido de licença do senador Sarney da presidência do Senado já tinha disparado para a implosão das alianças. O DEM exige a renúncia e admite a licença, os tucanos sobem o morro da radicalização, e o senador Sarney emitiu sinais de quem estava disposto à renúncia.
Espanta a facilidade com que Lula emenda viagens. Mal desembarcou, no dia 1º, da Líbia, viajou ontem à noite para Paris, onde receberá o prêmio da Unesco pela colaboração pela paz e passará o fim de semana com a esposa, Dona Marisa Letícia, e os netos. Em seguida viajará para Roma, para reuniões com grupos econômicos internacionais. Na quarta-feira Lula estará em Áquila, cidade da Itália atingida por terremoto em abril. Lula participará da reunião do G-5 - formado por Brasil, México, África do Sul, China e Índia, preparatória da cúpula do G-8, para discutir a crise econômica e as suas soluções. Só estará de regresso na noite de sexta-feira da semana que vem.
Até lá, cada qual cuidará de si. Lula viajou antes de fechar o acordo. E quando voltar, se não antecipar o retorno, poderá encontrar a casa incendiada. Mas esta súbita cobrança ética, a fúria nas denúncias dão para desconfiar. Afinal, a crise arrebenta quando a sujeira acumulada no porão invade o plenário, os gabinetes e emporcalha os ocupantes.
O Senado, tal como a Câmara, nunca quis extirpar o mal pela raiz. Se agora passou da conta é porque os parlamentares, com as exceções de praxe, aderiram ao padrão moral do baixo clero.
A crise começa, como tantas vezes tento explicar, com a mudança da capital do Rio para Brasília inacabada. E com os engabelos das mordomias, das dobradinhas, das quatro passagens aéreas mensais para que os privilegiados eleitos pelo povo desfrutem a boa vida de milionários com os saques aos cofres da Viúva.
Reforma política a sério, faxina de verdade terão que começar com o corte de todas as trampas para transferir verbas para a conta dos parlamentares. Nada justifica nenhum dos privilégios. Alguns de um descaro de meliantes. Como a verba para a compra de jornais e revistas. Ou, ainda, a verba de gabinete para contratar sem concurso assessores de coisa nenhuma, simples cabos eleitorais ou empregados de senadores e deputados.
Se esta furiosa, tardia e mal dirigida indignação tem alguma seriedade deve começar por estabelecer a semana útil de segunda-feira a sábado e acabar com as facilidades para que senadores e deputados morem na cidade onde trabalham e são muito bem pagos.
O mais é jogo de véspera de campanha, a caça ao voto, a mágica para enganar o eleitor e a indignação que sempre impressiona, como recurso cênico que distingue os grandes atores, os donos dos palcos, os artistas que mexem com a emoção e nunca pedem o nosso voto.
Se a santa indignação for para valer, vai faltar quorum para a Câmara e o Senado abrirem sessão.
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