O Estado de S. Paulo - 01/08/2011 |
Existem indícios claros de que a negociação política como instrumento para a construção do bem comum vem sofrendo revezes graves, em desfavor do próprio conceito de democracia representativa. É preocupante a frequência com que vêm ocorrendo aventuras militares, decorrentes de decisões unilaterais das grandes potências, e movimentos de indignação popular, especialmente dos jovens, a exemplo da primavera árabe e das manifestações dos aganaktismeni gregos e da geração à rasca, em Portugal. No Brasil, a maior evidência da crise política é o crescente esvaziamento do Congresso Nacional, principalmente em razão da força avassaladora das medidas provisórias, em clara usurpação da função legislativa pelo Poder Executivo. O esvaziamento é também a razão de ser do muitas vezes controverso ativismo judicial. Essa, todavia, tem sido uma forma de suprir a omissão legislativa em matérias para as quais a Constituição prescreveu a edição de leis. Parafraseando Aristóteles, não se deve esquecer de que o poder tem horror ao vácuo. É neste contexto de debilidade do Poder Legislativo que se inscrevem graves questões fiscais, como a guerra fiscal do ICMS e os critérios de rateio das transferências federais para Estados e municípios. O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que é inconstitucional a vigente regra de distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e fixou um prazo, que se esgota em 31 de dezembro de 2012, para que se estabeleçam novos critérios, sob pena de sustar as correspondentes transferências. Para a maior parte dos Estados essa perspectiva é catastrófica. De igual modo, ainda que inexista decisão judicial, são também inconstitucionais os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), porque padecem dos mesmos vícios do FPE. As possibilidades de exploração do pré-sal despertaram um justificado interesse dos Estados não beneficiados pelas regras atuais. Em decorrência, foi aprovada, no Congresso, norma, posteriormente vetada pelo presidente da República, que estende para os royalties e as participações especiais na exploração do petróleo os mesmos critérios de rateio do FPE. Esse veto pode ser apreciado a qualquer tempo. Se rejeitado, iria produzir uma curiosa situação. A distribuição dos royalties e das participações especiais, no caso, passaria a observar parâmetros que têm data certa para extinção, por causa do que decidiu o STF. Não requer muito esforço admitir que o tema demanda iniciativas urgentes no âmbito do Poder Legislativo. A correta e inequívoca decisão do STF, que julgou inconstitucional a concessão de incentivos fiscais em desacordo com o que estipula a Lei Complementar n.º 24, de 1975, certamente acarretará problemas que reclamam negociações envolvendo governadores, parlamentares e autoridades do governo federal. A chamada guerra fiscal do ICMS resulta de uma combinação de razões, que inclui a falência da política de desenvolvimento regional, a impunidade na prática de atos ilegais e, além disso, uma aversão ao entendimento no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), órgão integrado pelos secretários de Fazenda e presidido pelo ministro da Fazenda. As consequências que advirão do fim da guerra fiscal são a cobrança retroativa de créditos fiscais, obtidos por empresas com base em leis estaduais, nova localização dos empreendimentos realizados e supressão dos instrumentos utilizados pelos governadores para atração de investimentos. Não se deve subestimar o conflito potencial dessas questões. A incapacidade de negociar inspira algumas medidas extremamente perigosas: a adoção do princípio do destino nas operações interestaduais ou revisão do quórum deliberativo do Confaz. Uma guerra não se encerra com outra guerra, mas com um armistício. Pretende-se com o princípio do destino tornar inócua a concessão de incentivos do ICMS, mediante redução da alíquota interestadual a zero ou a um porcentual muito baixo. É inaceitável uma proposta que tem como pressuposto a impossibilidade de cumprimento de uma lei. Afora isso, é extremamente ingênua a ideia de que a guerra fiscal é uma mera travessura de governadores que resolveram descumprir a lei. De resto, esse princípio encerra efeitos perversos, como o aumento da propensão a sonegar, acúmulo de créditos nas operações interestaduais, desequilíbrio fiscal em Unidades da Federação, etc. A eliminação do critério de unanimidade só faz sentido se a intenção for lograr prevalecer o entendimento de Estados, ainda que constituam a maioria. Sucede, entretanto, que o benefício, em virtude das operações interestaduais, é financiado por todos. Não parece razoável que sua concessão resulte em danos para qualquer Estado, sem sua expressa concordância. É necessário restabelecer o diálogo entre os Estados, sem a pretensão de impor fórmulas prontas. Como num bom acordo, todos devem perder um pouco e ganhar um pouco, o que só se torna possível pela discussão conjunta daqueles temas, sob a indispensável liderança do governo federal. |