A crise na USP
Política

A crise na USP


O ESTADO DE S PAULO EDITORIAL



As "aulas" dadas pelos professores Antonio Candido e Marilena Chauí aos grevistas da USP, verberando a violação, pela Polícia Militar (PM), do "direito sagrado de uma pessoa opinar" e propondo a alunos e funcionários que "atuem e exagerem", "aproximando a Universidade da realidade social", não poderiam ter sido mais bem ilustradas pelo que ocorreu logo em seguida no refeitório do Instituto de Química, que atende 3,5 mil pessoas diariamente, na Cidade Universitária, oferecendo refeições completas ao preço subsidiado de R$ 1,90. 

Depois de invadir o restaurante em plena hora do almoço, cerca de 300 grevistas liberaram a catraca, deixaram os usuários comer de graça e justificaram a iniciativa em nome do direito sagrado de fazer greves, piquetes e ocupações de próprios da USP. "A comida não vem pronta e é necessário que todos se sensibilizem com a greve dos funcionários", disseram os líderes do protesto, demonstrando, em termos práticos, como compreenderam a exortação à "ação e ao exagero" feita por Antonio Candido. 

Pertencente à primeira turma formada pela USP, no final da década de 30, Candido afirmou que a instituição foi criada para a elite e que, em seus primórdios, ela não analisava questões sociais. Por ironia, as principais atividades que os grevistas por ele apoiados conseguiram suspender, como "bandejões", creches e ônibus circulares, são, justamente, as que atendem os servidores e os alunos pobres. A contradição não passou despercebida na comunidade acadêmica. "A greve só prejudica quem não tem recursos para pagar por outra alimentação. Quem faz o movimento estudantil é a massa burguesa de classe média que está desconectada do mundo", afirma Dioclézio Domingos, estudante de filosofia que mora no Crusp e que precisou fazer traduções para pagar as despesas que aumentaram, por causa da suspensão dos serviços sociais da Cidade Universitária. 

Também não passou despercebida da comunidade acadêmica outra flagrante contradição, esta cometida pela professora de filosofia política Marilena Chauí, que parece ter esquecido de que não há democracia onde não há regras e de que a tolerância é um dos princípios básicos da Universidade - quando criticou a decisão da Justiça de convocar a PM para garantir o patrimônio da USP e o acesso ao prédio da Reitoria. "Não é a eleição de um novo reitor que vai mudar a USP. Temos de pensar uma maneira de desestruturar essa gestão vertical e centralizada", disse Marilena. 

Insuspeito por pertencer ao mesmo grupo que ela, o professor Dalmo Dallari lembra que não se pode confundir "participacionismo" com anarquia e que o princípio da autonomia universitária não exime docentes, discentes e servidores do respeito às mais elementares normas do Estado de Direito. "As manifestações extremadas são um exagero que estimula a violência. (Os grevistas) não apresentam manifesto dizendo o que querem e partem para a violência, arrebentando a Universidade, invadindo-a e proibindo seu funcionamento. Isso é inaceitável", afirma ele.

A verdade é que, com 15 mil funcionários, 80 mil alunos e 5,4 mil professores, a maior instituição brasileira de ensino superior está vivendo uma crise deflagrada por uma minoria de sindicalistas, professores e estudantes vinculados a grupelhos políticos radicais e sem representatividade. 

Isso é evidenciado pelas pesquisas que têm sido feitas nas diferentes unidades da USP, onde as aulas continuam sendo dadas normalmente. No câmpus da zona leste, por exemplo, uma votação online mostra que a maior parte dos alunos é contra a greve. Até mesmo na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), tradicionalmente a que mais adere a paralisações, há mais votos de estudantes se dizendo contra do que a favor da greve dos servidores iniciada há um mês e meio. 

Não fosse essa a situação real, não haveria necessidade de piquetes nem de ocupações violentas da Reitoria que o professor Antonio Candido não considera "violação do direito sagrado de uma pessoa opinar". Para ele, piquetes e ocupações pela força bruta são, no máximo, "exageros" que ele aplaude e estimula.




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