CORREIO BRAZILIENSE - 03/11
Avança na Câmara dos Deputados um grande equívoco. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa aprovou na semana passada proposta de emenda constitucional (PEC) que institui reserva de vagas de deputados federais, estaduais e vereadores para candidatos que se declararem negros ou pardos. Pelo projeto, o número de vagas em cada eleição para esses concorrentes deverá corresponder a dois terços de pretos e pardos computados no último censo demográfico realizado pelo IBGE. Mas o total não poderá ser inferior a um quinto das cadeiras do parlamento nem maior que a metade mais uma das vagas.Se estivesse em vigor, essa regra exigiria que a atual legislatura contasse com pelo menos 100 negros ou pardos para o total de 513 parlamentares. É certo que a CCJ examina apenas a admissibilidade constitucional do projeto, que ainda tem longo caminho pela frente na Câmara e no Senado. Mas a sua tramitação precisa desde já ser levada a sério, para que se impeça o país de alimentar uma iniciativa demagógica, injusta e inconveniente, embora revestida da aparente boa intenção de produzir mais uma forma de inclusão social e de remissão dos pecados originais da escravidão, apenas extinta no fim do século 19.
De fato, o texto parte do raciocínio de que, se 50,7% dos brasileiros se declaram negros ou pardos, conforme o censo de 2010, a representação dessa camada da população na Câmara dos Deputados estaria distorcida, já que hoje essa "bancada" não passa de 10% do plenário. A constatação é óbvia, mas a necessidade de forçar a proporção entre uma coisa e outra é descabida. No Brasil, felizmente, ninguém é proibido pela cor da pele de se candidatar a qualquer cargo público. E nada impede o eleitor de votar em candidatos de qualquer cor ou ascendência.
Se há proporcionalmente menos negros e pardos nos parlamentos brasileiros, isso reflete uma de nossas desigualdades sociais que precisam ser resolvidas, mas não por atalhos menos inteligentes como o da reserva de cotas no Legislativo. Demagógica - pois somente serve à candidatura de quem a propõe -, é o tipo de alternativa que mascara a realidade. Faz parecer que estamos avançando, quando, na verdade, estamos apenas evitando encarar a verdadeira solução, que passa obrigatoriamente pelo acesso amplo à educação de qualidade.
Nunca precisamos tanto de bons candidatos, de políticos capazes de leituras corretas da realidade brasileira e de sincero empenho em mudá-la verdadeiramente para melhor. A proposta é injusta com os atuais políticos brancos, que estariam votando sempre contra a população negra - uma fantasia no mínimo injuriosa. A PEC não une a sociedade, pois ajuda a criar adversários, como pretos contra brancos, patrões contra empregados, homens contra mulheres, crentes contra não crentes - situações que só interessam a quem pretende dividir para comandar. É inconveniente, pois dá guarida ao erro dos que defendem a valorização das diferenças, em vez da ampliação das igualdades, esse, sim, o caminho verdadeiramente democrático de construção de uma sociedade mais justa.