A gripe suína num boteco do Leblon JOÃO UBALDO RIBEIRO
Política

A gripe suína num boteco do Leblon JOÃO UBALDO RIBEIRO


O GLOBO



 -Pô, cara, foi um sufoco sair de casa hoje! Pelo gosto da Detinha, eu não punha os pés aqui hoje.

—Por causa do teu porre ontem? Tu ontem pegou legal e olhe que eu saí antes de você anunciar que ia imitar o Michael Jackson e cair por cima da mesa logo no primeiro passo. É só o que se comenta aqui, essa tua imitação do Michael Jackson.


— Declaro amnésia alcoólica, não quero ouvir nada. E não tem nada a ver com porre nenhum, isso deixou de ser problema lá em casa. Taí, sou obrigado a reconhecer que nisso o computador me ajudou muito. A Detinha agora faz um e-mail circular todas as segundasfeiras, com uma foto minha de porre, tirada com o celular aqui mesmo, relembrando os melhores momentos do porre e pedindo desculpas em nome da cabeça do casal. É assim mesmo que ela assina, a cabeça do casal, a Detinha sempre foi meio folgada, esse pessoal criado em Copacabana é todo meio folgado.


Ela já está até colecionando os emails e as fotos, diz que vai publicar um livro e fazer um blog. Agora eu posso tomar todas no fim de semana e abato na força que estou dando para a carreira de escritora dela, ela não pode se queixar. Não, nada de porre, tudo perfeito.


O problema é a gripe suína.


— Tem alguém de gripe suína na tua casa? — Todo mundo. Quer dizer, ninguém, mas toda hora alguém aparece com um sintoma, está ficando difícil de segurar, ainda mais com a Lucinha respondendo "deixa a vida me levar" sempre que a gente pede a ela pra maneirar.


Não é por ser minha filha que eu vou negar a realidade dos fatos e a verdade dos fatos é que a Lucinha...


Tu conhece a Lucinha.


— Conheço. Por sinal, todo mundo gosta dela, inclusive eu. Todo mundo acha a Lucinha uma garota sensacional.


Além de muito bonita, uma cuca do melhor nível, astral fantástico, todo mundo gosta mesmo.


— Pois é, todo mundo e todo o mundo, ól zi uêld, melhor dizendo, acho que entra mais gringo lá em casa do que na sede da ONU.


— E algum deles está gripado? — Nunca se sabe. Deu no jornal que o sujeito pode estar contaminado sem ter ainda nenhum sintoma, ou sem ter sintoma nunca, e mesmo assim passar a gripe para outros. Aí a Detinha radicalizou.


A farmácia aí do lado não tinha mais máscaras e não sei como ela descolou uma caixa, que botou numa mesinha perto da porta, junto com álcool em gel e um spray desinfetante que também não sei onde ela descolou.


—Eu não sabia que a Detinha era assim. Mas pra mim ela está exagerando um pouco, você não acha, não? Na televisão eles sempre falam que não há motivo para pânico.


— E tu acha que algum dia eles iam dizer que há motivo para pânico? Tu pode imaginar o Bonner falando "boa noite, o Ministério da Saúde acaba de anunciar que há motivo para pânico"? Só se ele fosse apresentador de peste bubônica na Idade Média. Isso mesmo é o que a Detinha fala. E, de qualquer maneira, quando ela mete uma coisa na cabeça, não tem jeito. Agora só entra lá em casa depois de botar a máscara e esfregar álcool nas mãos. E nada de beijocas, abraços, bicadas em copos alheios, nada disso. Se não fosse o Menezes, eu só estaria aqui de máscara. Mesmo assim ela não queria que eu viesse pra cá, mas felizmente esse caso do Menezes ajudou.


— Eu não soube do caso do Menezes.


— Daqui a pouco tu ia saber, está mais comentado que a tua imitação do Michael Jackson. O Menezes saiu pra caminhar no calçadão de boné e máscara e aí, quando passou pela padaria na volta, acharam que ele era o mesmo assaltante da véspera voltando ao local do crime e, daí até descobrirem que era ele, foi um pra conferir que ninguém acredita e ele ainda chegou a tomar uns cachações até provar que não era elefante.


— Coitado do Menezes, vou me solidarizar.


Mas não há motivo mesmo para essa paranoia de sair de máscara, aqui iam pensar que você ia imitar o Michael Jackson outra vez.


— Isso diz você.


— Isso digo eu, não, isso dizem as autoridades. As autoridades da saúde pública e as autoridades no assunto.


— Tá legal, então. O que dizem as autoridades? Dizem que o quadro clínico não é suficiente para se diagnosticar se é a gripe suína ou a comum, dizem ou não dizem? — É, acho que sim. Mas tem o exame de laboratório.


— Que leva quantos dias para ser feito? Já ouvi quatro, já ouvi cinco, já ouvi uma semana.


— É, mas aí o médico pode receitar os remédios que o Ministério da Saúde já comprou.


— Mas, no caso, o que dizem as autoridades de que você falou? Eu respondo por você. Dizem que o remédio não faz mais efeito, depois que o sujeito já está com os sintomas uns dois dias. Sacou? Antes, não tomava o remédio porque os sintomas são enganadores e o sujeito pode até piorar ou morrer, se tomar o remédio sem necessidade.


Depois, não adianta tomar o remédio, porque não faz mais efeito.


— Ah, não acredito. Então por que compraram tanto remédio? — Pergunte às autoridades. De um jeito ou de outro, você vai achar motivo para pânico.




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