O governo ainda não fez sua auto-crítica com relação à crise de Honduras, apontada como a maior trapalhada da história diplomática do país.
A inesperada crítica do embaixador norte-americano, Lewis Amselem, na reunião desta semana na Organização dos Estados Americanos (OEA), considerando irresponsável a volta do presidente deposto, Manuel Zelaya, expôs interna e externamente a estratégia apoiada pelo Itamaraty.
Deixou-o isolado.
Ficou claro que o governo Obama, que havia inicialmente condenado a deposição de Zelaya, desembarcou da questão. Não ainda ao ponto de apoiar o novo governo, mas ao menos no de não se envolver com os desdobramentos da situação.
O desafio brasileiro agora é o de encontrar uma saída que o poupe de um mea culpa. O apoio norte-americano era decisivo na sustentação dos acontecimentos, na medida em que chancelava a versão de que houvera um clássico golpe de Estado em Honduras, que justificaria a ação intervencionista. Essa versão está sendo revista, à luz da Constituição hondurenha.
Ela, em seu artigo 239, cláusula pétrea constitucional – isto é, não suscetível de emenda –, estabelece que perde o mandato e os direitos políticos por dez anos quem postular a reeleição.
Cabe à Suprema Corte manifestar-se a respeito. O presidente do Congresso assume e convoca eleições.
Esse rito foi rigorosamente cumprido, na sequência de tentativa de Zelaya de convocar plebiscito pró-reeleição. Nesses termos, não houve golpe.
Houve ação constitucional antigolpe. Essa contra-argumentação, inicialmente ignorada, tanto pela OEA quanto pela ONU, está sendo reavaliada nos mesmos fóruns.
O Itamaraty está sendo criticado por ter ido longe demais, ao participar da logística que levou Zelaya a voltar ao país e ao ceder suas instalações para abrigá-lo, sem conceder-lhe o status de asilado ou mesmo qualquer outro. A embaixada do Brasil, onde não há embaixador, tornou-se escritório político do ex-presidente e passou a centralizar as manifestações de seus aliados e adversários.
A tradição diplomática brasileira é a de não intervenção em assuntos internos de outros países. Independentemente de afinidades ideológicas, esse princípio jamais foi profanado.
O mais grave é que o país está sendo visto como caudatário da política intervencionista do presidente da Venezuela, Hugo Chavez, que proclama a necessidade de levar a causa bolivariana a todos os países do continente.
Não há sinais de que o Itamaraty reveja e assuma o seu equívoco, mas o desgaste, interno e externo, é evidente. Prevaleceu não o pragmatismo, que caracteriza historicamente a política externa do Brasil, mas a afinidade ideológica com o chavismo, que tem no assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, e no chanceler Celso Amorim dois sustentáculos.
A tentativa de emocionalizar a questão, expondo a embaixada brasileira como vítima de ataques dos golpistas, já não encontra ressonância no Congresso brasileiro, sobretudo porque o Brasil não concedeu qualquer status a seu hóspede.
Mesmo lideranças políticas que não pretendiam manifestar-se sobre o episódio, como o governador paulista José Serra, já admitiram que houve uma trapalhada, da qual é preciso desembarcar logo.
Lula está sendo pressionado a conceder status de asilado a Zelaya, o que implicaria obtenção de salvo conduto junto ao governo hondurenho para que ele deixe o país e se instale no Brasil.
É a solução mais sensata, num mar de insensatez, que encerra a participação brasileira no episódio, mas não o livra do desgaste intervencionista.
A crítica maior que se faz ao Itamaraty, independentemente do mérito do episódio, é o de ter criado para si um problema desnecessário. Honduras não tem qualquer relevância para o Brasil, que se mostra tolerante – e mesmo amistoso – com outros países não democráticos, sob o argumento, agora desprezado, de que não cabe ingerência em questões internas de outras nações.
Foi o argumento invocado por Lula quando, por exemplo, a lisura das recentes eleições do Irã foi questionada. Funciona para Cuba, Líbia, China, Coréia do Norte e outros aliados próximos. Não funcionou para Honduras.