Política
A indústria respira - CELSO MING
O ESTADÃO - 03/10
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, fez bem em comemorar os primeiros números alvissareiros da produção industrial depois de meses e meses decepcionantes.
O avanço da produção industrial em agosto, de 1,5% sobre a do mês anterior, foi alguma coisa mais baixa do que o esperado, mas apresentou a vantagem de ter sido mais abrangente: alcançou 20 dos 27 subsetores pesquisados pelo IBGE. E esse é um bom indício de que a recuperação ganhou certa consistência.
Mantega se permitiu ser bem mais otimista. Disse que foram definitivamente deixadas para trás as piores condições da indústria nacional e que a economia brasileira está voltando a se aquecer depois de uma sucessão de desempenhos fracos.
Em todo o caso, parece ser um tanto precipitado dar a virada como favas contadas. Em primeiro lugar, embora mais abrangente, como ficou dito, a recuperação ficou muito concentrada nos setores de bens de consumo duráveis (veículos e aparelhos domésticos), justamente os mais beneficiados com isenção tributária com prazo para terminar (no caso dos carros, no fim de outubro; no dos demais, no fim do ano).
Além disso, já estão disponíveis alguns números de setembro, decepcionantes. Preocupam principalmente os que se referem ao desempenho das vendas do setor de veículos leves. As estatísticas da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) apontam para queda de vendas de 31,5% em setembro ante agosto. Um tombo tão grande não é explicável só pela antecipação de compras no mês anterior, pela espera por novos modelos e por dias úteis a menos em setembro. Algo sugere que o orçamento do consumidor esteja sobrecarregado demais. O nível da inadimplência no crédito, por exemplo, segue elevado demais. E a margem de retorno da indústria está sendo espremida pela alta dos custos da mão de obra e das peças.
A comemoração de Mantega pode apresentar um aspecto negativo caso os resultados de agosto forem usados como pretexto para evitar o esforço adicional de investimentos, de modo que a política econômica não continue excessivamente dependente do consumo. O desempenho do setor de bens de capital (máquinas e equipamentos), por exemplo, que reflete a disposição de investir da indústria, se mantém raquítico: crescimento de apenas 0,3% em agosto sobre julho; e queda de 13% em agosto, comparando os resultados obtidos com os de agosto do ano passado.
Boa pergunta consiste em saber como o Comitê de Política Monetária (Copom) vai encarar esse início de reação da indústria para efeito de definição dos juros básicos (Selic), atualmente em 7,5% ao ano. Há argumentos que reforçam a posição de que um corte adicional ajudaria a puxar pelo aumento da atividade econômica de todos os setores - e não só da indústria.
Por outro lado, os juros básicos reais (descontada a inflação) já vão resvalando para abaixo de 2% ao ano, nível que se supõe ser a meta de inflação do governo Dilma e do próprio Banco Central no atual processo de flexibilização do tripé da economia.
Adeus superávit
O governo acaba de quebrar o terceiro apoio da economia. Admitiu ontem que o superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de 3,1% do PIB foi pro saco. O tripé era: meta de inflação (substituída por meta de juros); câmbio flutuante (substituído por um câmbio administrado a R$ 2 por dólar); e o superávit primário de 3,1% do PIB. De flexibilização em flexibilização, a economia vai-se desarrumando.
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