O Estado de S. Paulo - 16/09/2011 |
O presidente francês, Nicolas Sarkozy, e o premiê britânico, David Cameron, foram à Líbia. A TV nos mostrou imagens raras: Sarkozy e Cameron nos hospitais, aclamados pela multidão. Não é todo o dia que temos direito a cenas como estas: líderes ocidentais abraçados, ovacionados pelos árabes, que agradecem por sua intervenção. O exuberante Sarkozy e o distinto Cameron não escondem seu prazer. Foram os dois que acordaram o Ocidente e fomentaram uma coalizão com a ajuda discreta dos EUA e a ação da Otan para arrancar os rebeldes líbios das garras de Kadafi. Sarkozy, que nunca primou pela modéstia, e Cameron, que parece eternamente ter saído de Oxford ou Cambridge, têm razão de colher "o pomo da vitória", mesmo que a Líbia ainda não esteja totalmente apaziguada. Mas é preciso que usem de sutileza, avançando a passos lentos. A revolução líbia foi iniciada pelos líbios e a guerra foi conduzida pela população líbia. Certamente, a coalizão ocidental deu uma "ajuda" aos rebeldes, mas não os substituiu. A revolta, a luta e a vitória são obra dos líbios, não dos europeus. Esta é a diferença entre a estúpida guerra de George W. Bush no Iraque e o apoio ocidental aos soldados improvisados de Benghazi. Este respeito pelo "outro", que foi observado nesta guerra, deve continuar em tempo de paz. O mundo árabe inteiro está de sobreaviso. Os ocidentais mostrarão na paz a mesma prudência que tiveram na guerra? No jornal New Lebanon, Hussein Ibish agradece calorosamente os ocidentais, mas acrescenta secamente que "nenhum estrangeiro tem o direito de reivindicar a revolução líbia (...). Do mesmo modo que a revolução, o processo de estabilização deve ser levado a cabo pelos e para os líbios". A advertência é clara: que o Ocidente não procure tirar vantagem de suas ações para roubar da população líbia seu heroísmo, usurpar sua vitória e impor à Líbia sua democracia. É o que se chama bom senso. Esperemos que Sarkozy, embriagado por sua glória, saiba moderar os atos. O que poderá ser mais difícil, pois na França ele amarga uma forte queda de popularidade. Além do que, é preciso reconhecer que a Líbia está ameaçada pelo caos. Duas linhas de fratura dividem o país. A primeira separa os democratas líbios dos islâmicos. Perseguidos ontem por Kadafi, os islâmicos, alguns próximos da Al-Qaeda, tiveram um papel crucial no conflito e na vitória dos rebeldes. Um exemplo: o chefe militar de Trípoli, Abdel Hakim Belhaj, é um islâmico treinado no Afeganistão e pertence à GICL, uma organização apadrinhada pela Al-Qaeda. "Todas essas pessoas, que há muito tempo estão ligadas ao GICL, cresceram com a noção de que democracia é uma heresia", disse Noman Benotman. Além disso, a Líbia, que há 40 anos desconhece a democracia, não tem nenhuma experiência. Está dividida entre tribos, devotadas a seus chefes, ciosas da sua independência e que não possuem um governo central. Assim, uma vez toda a exaltação evapore, o país ficará dividido entre as mais variadas tentações. Como reagirão os ocidentais? Pretenderão impor sua ideia de democracia ou reconhecerão que cada povo deve imaginar a sua própria democracia? / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO |