A música sob a bomba: Gravação do show da noite do atentado no Riocentro vai virar cd
Política

A música sob a bomba: Gravação do show da noite do atentado no Riocentro vai virar cd




Do jornal O Globo deste domingo:

"Gonzaguinha pede a atenção da plateia de 20 mil pessoas e comunica, pausadamente: "Durante o espetáculo, explodiram, eu disse explodiram, duas bombas." Em seguida, como se lê no texto em destaque nesta página, faz um breve discurso em favor da democracia e daquele evento - o show "1 de maio", que acontecia por seu terceiro ano consecutivo. Aquela fala dita em 30 de abril de 1981 carrega - na ênfase da repetição da palavra "explodiram", na ideia da democracia não como uma dádiva natural, mas sim como algo que deve ser conquistado, na reação calorosa do público em aplausos e urros confirmando essa ideia - o calor daquela noite histórica, que agora completa 30 anos, lembrada como a noite da bomba do Riocentro, na qual um atentado frustrado matou um sargento que levava o artefato no colo. Um registro sonoro que poderá ser ouvido num CD que chegará às lojas até agosto, mostrando o que aconteceu no palco enquanto a História se desenrolava do lado de fora do pavilhão.


A fala de Gonzaguinha - momento em que se estabelece de forma mais contundente a relação entre o show e a bomba - ocupa apenas alguns segundos da gravação. Uma breve pausa num evento que celebrava muitos dos artistas mais populares e representativos da MPB de então. A fita que originou o CD foi encontrada pelo pesquisador Marcelo Fróes no arquivo do Instituto Cravo Albin e traz apenas uma parte da noite. Estão lá Gal Costa, Moraes Moreira, MPB-4, Beth Carvalho, Dona Ivone Lara, Gonzaguinha e Gonzagão.

- Tenho uma parceria com o Instituto Cravo Albin para lançar gravações de seus arquivos pelo meu selo, o Discobertas, que lançará esse registro do Riocentro - explica Fróes, lembrando como encontrou a fita. - Estive lá um dia, no fim do ano passado, e ocasionalmente vi essa fita de rolo na estante. Tinha uma etiqueta na qual estava escrito apenas "1 de maio". Eu já tinha as gravações das edições anteriores, de 1979 e 1980, e fui ouvir a fita ansioso para que fosse a de 1981, inédita. E era.




O pesquisador chegou a pensar em lançar uma caixa com as três edições do evento - aquele show de 1981 foi o último da série, organizada pelo Centro Brasil Democrático (entidade ligada ao Partido Comunista Brasileiro, então na ilegalidade). Mas desistiu:

- A gravação de 1980 chegou a sair em LP, mas a de 1979, que tenho em fita, é muito ruim, não dá para lançar. Preferi trabalhar, então, somente com essa fita de 1981. Moraes Moreira ficou muito entusiasmado com a fita. Mandei para ele sua gravação para que pudesse ouvir e ele me respondeu: "Não sei como vai ficar sua masterização, mas essa está ótima. Cuidado para não estragar".

O registro do show de 1981 ouvido pelo GLOBO, ainda sem masterização, tem realmente a qualidade compatível com a de outros registros ao vivo feitos na década anterior - e tornado clássicos, como o CD "Caetano e Chico - Juntos e ao vivo" ou "Barra 69". E a noite do Riocentro tem, é claro, a inegável força de documento histórico. Portanto, acredita Fróes, ele pode e deve ser lançado.

- Sou daqueles que acreditam que cada imagem conta uma história, ou, no caso, cada som. Existem coisas muito preciosas em arquivo, como essa, que contam uma parte da História do país - defende.

O pesquisador Ricardo Cravo Albin, que estava no Riocentro naquela noite, acrescenta:

- É importantíssimo resgatar o som que testemunhou esse grande momento histórico.

Beth Carvalho, que foi testemunha privilegiada daquele episódio, como uma das atrações da noite, também reforça a importância do lançamento do CD:

- Foi um momento histórico no país. Se aquela bomba realmente explodisse, ia dizimar uma grande parte da música popular brasileira. Esse registro vai emocionar as pessoas que sabem que somos sobreviventes daquele episódio. Eu estava cantando e o leite escorria do meu peito. Naquela época, eu amamentava minha filha Luana e só saí de casa naquela noite porque era um show de cunho político, o Dia do Trabalhador, de que sempre faço questão de participar - diz a cantora, que comandará, no próximo 1 de maio, o "Show do Trabalhador", realizado na Quinta da Boa Vista."




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