A Nokia enfrenta o desafio de uma forte concorrência
Política

A Nokia enfrenta o desafio de uma forte concorrência


Uma dura competição

Maior fabricante de celulares do mundo, a Nokia está
diante de um novo desafio: precisa oferecer mais recursos
e serviços nos aparelhos para manter-se líder


Marcos Todeschini e Renata Betti, da Finlândia

Foos Kimmo Mäntylä/Lehtikuva

De galochas a celular
Sede da Nokia, na cidade de Espoo: ninguém vende mais aparelhos do que ela

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Quadro: A briga para ficar no topo


Na sede da Nokia, em Espoo, na Finlândia, as paredes de vidro deixam à mostra laboratórios onde trabalha gente noite e dia. Os pesquisadores estão diante de um desafio: "Precisamos inovar!", eles dizem. Até então, têm sido eficientes. Nenhuma outra empresa de telefonia celular supera a Nokia em número de modelos e lançamentos, fator determinante para que ela seja, de longe, a atual líder do setor. Vende tantos aparelhos quanto suas três maiores concorrentes juntas – Samsung, Motorola e Sony Ericsson. Chama atenção, no entanto, o monumental esforço da empresa para manter-se no topo. Isso porque entraram no mercado de telefonia móvel algumas das gigantes em tecnologia, como Apple e Google. Elas começam a investir fortemente nesse segmento. Essas empresas, que agora competem com a Nokia, estão motivadas por uma mudança: em apenas 15% das vezes, as pessoas recorrem ao celular por sua função básica, a de telefonar. No restante do tempo, ficam às voltas com os demais serviços que ele oferece. Na briga por esse novo tipo de cliente, Apple e Google têm uma vantagem. São as mais inovadoras do planeta, com enorme capacidade de criar novos recursos para os aparelhos (veja o quadro). Diz a VEJA o engenheiro Kai Öistämö, vice-presidente da Nokia: "A concorrência ficou infinitamente mais difícil".

A presença de novas empresas no mercado de celular tem obrigado a Nokia a acelerar o ritmo. Nem sempre conseguiu reagir de pronto. No começo do mês (com mais de um ano de atraso), lançou um celular semelhante ao iPhone, da Apple, estrela entre os smartphones. Embora a versão da Nokia venha com a metade da memória e perca em design, suas chances recaem sobre o preço, 30% mais baixo. O Google, por sua vez, começou a incomodar no ano passado, ao anunciar um aparelho cujo diferencial seria dar acesso fácil à internet. Um mês depois, sob o impacto da notícia e do lançamento do iPhone, a Nokia aparecia com um site próprio de ingresso à rede, o Ovi, em que, no rastro da Apple, também incluiu uma loja virtual. Passou a vender ali serviços como GPS, download de músicas e jogos. Outro atraso da Nokia em relação aos novos concorrentes diz respeito ao marketing. "Todo mundo sabe quem é Steve Jobs, mas Olli-Pekka (atual CEO da Nokia) é um desconhecido", reconhece o próprio presidente da empresa no Brasil, Almir Narcizo.

"Inovar, inovar"
O grupo de cientistas da Nokia está encarregado de desenvolver novos recursos para os celulares: o negócio depende disso

Dois pontos decisivos, no entanto, ajudam a explicar a liderança da Nokia. O primeiro é a sua admirável logística, esparramada por 350.000 pontos-de-venda em 150 países, rede que começou a ser construída nos primórdios da empresa. Fundada em 1865 por um engenheiro que tinha como objetivo fabricar papel, a companhia logo se expandiu para outros países para conseguir ganhos de escala. A Finlândia era, então, um país de apenas 1,8 milhão de habitantes. No fim da década de 80, a Nokia atuava em quinze áreas (incluindo uma fábrica de galochas). Sem foco, beirava a falência. Quando, enfim, ingressou no mercado de celulares, em 1992, precisou desfazer-se de 90% dos antigos negócios – mas soube aproveitar a logística já estabelecida nos países onde atuava. Para chegar a tantos lugares, a empresa produziu 435 milhões de aparelhos em 2007, o triplo de suas principais concorrentes. Daí os ganhos de escala. Para fabricar um celular, a Nokia gasta, em média, 30% menos. Por isso, consegue vender aparelhos mais baratos.

"Ninguém tem uma política de preços tão agressiva", afirma o consultor americano Eric Johnson. Enquanto os concorrentes apostam na diversificação dos aparelhos apenas por faixas de renda, a Nokia decidiu investir em modelos destinados a nichos específicos. Por exemplo, o de africanos que vivem em regiões com poucas horas diárias de fornecimento de eletricidade, entre os quais faz sucesso um celular que funciona também como lanterna. São ao todo 3 500 tipos de aparelho. A Motorola, uma das maiores do setor, tem apenas 10% disso. "Na década de 90, perdemos a liderança para a Nokia justamente por essa razão", avalia Edson Bortolli, diretor de produtos da Motorola no Brasil. A diversidade de aparelhos ainda ajuda a Nokia na negociação com as operadoras de telefonia. Elas estão interessadas no fato de a empresa lançar, por ano, o dobro de celulares de todas as suas concorrentes. São os novos modelos, afinal, que mais atraem as pessoas para as lojas. "O portfólio é um forte diferencial da Nokia para conquistar as operadoras. E isso é a chave para o negócio porque são elas que vendem 80% dos aparelhos", diz o especialista Eduardo Tude.

Um trunfo na crise
Kai Öistämö, vice-presidente da Nokia: "Temos os modelos mais baratos"

Nunca foi tão imprescindível às empresas de celular surgir com novidades. Nos países ricos, onde todo mundo já tem pelo menos um aparelho, são os novos recursos que motivam as pessoas a trocar de celular a cada dezoito meses. O mesmo vale para países emergentes, como o Brasil, com uma diferença: cerca de 30% da população ainda não comprou o primeiro aparelho, o que torna tais mercados ainda mais promissores. A Nokia, que em 1998 montou sua primeira fábrica brasileira em Manaus, naturalmente mira neles. Diz Narcizo, presidente da empresa no Brasil: "Fabricamos modelos bem básicos e baratos para as classes C e D".

O maior de todos os desafios, no entanto, é conseguir, num único aparelho, reunir o maior número de serviços – e eles devem funcionar tão bem quanto fora do celular. Isso tem forçado as empresas a aventurar-se por áreas nas quais não passam de novatas. É o caso da Nokia, ao debruçar-se sobre o desenvolvimento de games e sistemas de GPS e MP3. Para explorar tais áreas, a empresa adotou uma estratégia dois anos atrás, quando o engenheiro Olli-Pekka assumiu a companhia: depois de conseguir conferir velocidade à tomada de decisões, tradicionalmente morosas, decidiu investir 20 bilhões de reais na compra de empresas especializadas na tecnologia dos novos recursos. Eles não apenas despertam o desejo pela compra do celular como representam um negócio rentável por si só. Até 2015, 60% do faturamento das empresas virá do dinheiro cobrado por serviços. Hoje, eles respondem por 2% do negócio. Isso dá a dimensão do atual ritmo das mudanças. Para acompanhá-las, a Nokia passou a investir 11% de seu faturamento, de cerca de 140 bilhões de reais em 2007, em pesquisa. É o dobro do que investem as empresas no setor e tanto quanto o Google.

A Nokia sente hoje os efeitos da nova concorrência – e da crise financeira. Na semana passada, o balanço da empresa apontou uma queda de 30% no lucro dos últimos três meses, em comparação com 2007. A venda de aparelhos com mais recursos, em que a Apple se destaca, foi justamente a que mais caiu. As ações da Nokia, por sua vez, já se desvalorizaram 4% neste mês. A finlandesa tem, no entanto, um diferencial para enfrentar a crise: é a empresa que mais fabrica aparelhos de baixo custo. Em outra ponta, aposta em celulares de alto padrão e desempenho, aqueles que costumam ser oferecidos de graça pelas operadoras aos clientes preferenciais de modo a fidelizá-los. Isso obriga os laboratórios da Finlândia a produzir mais e mais novidades. Diz o vice-presidente Kai Öistämö: "Apostamos tudo nos nossos Ph.D.s".




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