Política
A Oportunidade Perdida?
Estas foram sem dúvida as eleições regionais mais importantes dos últimos 16 anos. Tendo em conta que os ciclos políticos nos Açores são particularmente longos (os 20 anos de Mota Amaral foram seguidos por 16 anos de Carlos César), este ato eleitoral representava de facto a possibilidade de mudança na região. Como é sabido, a mudança é responsável nos sistemas políticos democráticos por romper com os vícios que as longas estadias no poder acarretam. É esta mudança nos atores que exercem o poder que garante que a sociedade civil mantém-se de facto independente perante o poder político, tendo assim a capacidade de o fiscalizar, de o limitar e mesmo de o controlar.
Todos nos devemos lembrar do estado da democracia açoriana quando os 20 anos de Mota Amaral chegaram ao fim. Os cinco mandatos consecutivos no poder deram origem a uma sociedade politicamente fechada, quase claustrofóbica, onde o partido no poder tudo mandava e tudo alcançava. Toda a gente era do PSD e quem não o era, quase que o dizia em voz baixa, pois arriscava-se a ter problemas ou encontrar obstáculos onde menos esperava. Foi por isso que a chegada do PS ao poder na região em 1996 foi uma verdadeira lufada de ar fresco. Afinal a alternância era possível nos Açores. Afinal existiam rostos para lá dos de sempre, afinal existiam ideias, formas de trabalhar e de agir diferentes do que até então se conhecia. E quem até então achava que para lá do PSD só existia o caos, teve de engolir em seco e habituar-se aos novos tempos arejados que então se faziam sentir.
Com as devidas adaptações, os 16 anos de Carlos César, os 4 mandatos consecutivos de maioria PS, não têm feito bem à saúde democrática na região. Embora a sociedade de hoje seja outra, a influência do aparelho do partido e do Governo na região chega atualmente onde não devia chegar. Quem não era PS passou a sê-lo e o tempo encarregou-se de criar laços de dependência pouco saudáveis entre a sociedade civil e o poder. Onde existia política passou a existir uma despolitização generalizada, com fortes traços de clubismo, que assegura o apoio ao partido no poder.
A não recandidatura de César abriu uma forte possibilidade de mudança. E escusado será dizer que tal não significa que a mudança se operaria com Berta Cabral. Esta podia surgir vinda do próprio PS, demonstrando capacidade crítica relativamente ao trabalho feito nestes últimos anos, tendo Vasco Cordeiro capacidade de se demarcar da teia de dependências da anterior direção do partido e garantindo assim a independência da sua atuação. Assistiu-se, pelo contrário, a uma meticulosa passagem de testemunho, consensualmente apoiada por todo o aparelho do partido. Ou seja, o mesmo aparelho que governa a região há 16 anos e que, como é natural, não vai abdicar das suas redes de influência, cumplicidades e dependências.
Independentemente de se reconhecer seriedade e competência a uma série de rostos novos que rodeiam Vasco Cordeiro, o facto de não ter existido qualquer sinal sério de mudança é preocupante. Eis o que a democracia nos Açores não precisa com certeza: uma maioria do absolutamente na mesma, uma mudança na continuidade ou, se preferirem, uma ligeira mudança para que tudo fique na mesma. Os Açores merecem mais do que isso e escusado será dizer que, a meu ver, os entendimentos à esquerda seriam uma boa forma de garantir a mudança na região. A maioria absoluta obtida não convida a tais cedências e todos os sinais a este respeito não são bons. Resta ver se o espírito de abertura proclamado na noite eleitoral se concretizará de facto ou não. Espero que sim, temo que não.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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