A república de São Bernardo - REVISTA ÉPOCA
Política

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O prefeito Luiz Marinho, o ministro Ricardo Lewandowski, o empresário Laerte Demarchi e o ex-presidente Lula fazem parte do mesmo círculo de amigos - e voltaram a ser muito próximos

Alberto Bombig e Vinícius Gorczeski


Em janeiro do ano passado, o município de São Bernardo do Campo, na região metropolita­na de São Paulo, ganhou um morador ilustre: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele ocupa a cobertura de um edifício residencial na Avenida Prestes Maia, no bairro Santa Teresi- nha, próximo ao centro da cidade em que se projetou, nos anos 1980, como líder do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. De lá para cá, a visibilidade do município - e sua prosperidade - só tem crescido. É de São Bernardo o prefeito Luiz Marinho, escolhido por Lula para ser o articulador político de seu grupo dentro do PT. No dia 5 deste mês, Marinho recebeu a visita de Dilma Rousseff na inauguração de uma unidade de saúde - ele foi o único prefeito petista candidato à reeleição que teve a oportunidade de posar para uma foto com a presidente. Marinho é amigo do ministro Ricardo Lewan- dowski, do Supremo Tribunal Federal, que nasceu no Rio de Janeiro e foi cria­do em São Bernardo. Lewandowski foi o revisor do processo do mensalão e participa do julgamento que mobili­zará o país a partir do dia 2 de agosto. Os três - Marinho, Lewandowski e o próprio Lula - são frequentadores do restaurante São Judas Tadeu e amigos do dono, Laerte Demarchi, um são- bernardense da gema. Laerte se orgu­lha de ter assistido, no nascimento do partido político que há dez anos governa o Brasil.

Marinho, Lewandowski, Demarchi e Lula pertencem a um mesmo círculo de amigos - e o relacionamento dos quatro vem se estreitando nos últimos tempos. O prefeito Marinho é um homem afei­to a celebrações públicas. Nos últimos dois anos, organizou três homenagens a Lewandowski, cuja família fez história em São Bernardo. Lewandowski esteve presente a todas. A mais recente foi no dia 28 de março, na Faculdade de Di­reito de São Bernardo, controlada pelo município. Lewandowski, com Marinho a seu lado, deu uma aula magna a um auditório lotado e foi saudado como o mais ilustre ex-aluno e ex-professor da faculdade. Um mês antes, Marinho inaugurara uma escola de educação infantil com o nome da mãe do mi­nistro, Karolina Zofia Lewandowska, morta em 2010. Em 2011, Marinho já homenageara Lewandowski por ele ter sido o primeiro presidente do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural (Compahc) do município.

Lewandowski ingressou na vida pública pelas mãos dos Demarchis. Quando Walter Demarchi, irmão de Laerte, era vice-prefeito de São Ber­nardo, entre 1983 e 1988, ele convidou o então advogado a ocupar a Secre­taria de Assuntos Jurídicos. O então prefeito, Aron Galante, mal conhecia Lewandowski. Ele recorda: “Foi a fa­mília Demarchi que indicou o secre­tário jurídico. Disseram: ‘Nós temos o Lewandowski’. Eu respondi: ‘Traz ele aqui’. Nem o conhecia direito”.

As famílias Lewandowski, de origem suíça, e Demarchi, sobrenome italiano, se conheceram em São Bernardo no final do século passado e se estabeleceram no mesmo pedaço de terra que hoje abriga o bairro Demarchi. Os Lewandowskis tinham um sítio onde fica hoje o con­domínio de alto padrão Swiss Park, ao lado do restaurante e onde os Lewan­dowskis mantêm uma casa. A família Demarchi se orgulha de ter sugerido o nome de Lewandowski quando surgiu uma vaga no Supremo. “O único favor que pedimos ao Lula, que foi meu ir­mão Laerte quem pediu, foi para que ele colocasse o Ricardo como ministro, porque não sei que ministro ia se apo­sentar (era Carlos Velloso). O Lula falou: ‘Tudo bem”’, afirmou Walter Demarchi a ÉPOCA. E Lewandowski se tornou ministro em 2006.

Quis o destino que ele fosse o revi­sor do processo do mensalão, o maior escândalo político do governo Lula.

ÉPOCA passou quase um mês vi­sitando a cidade e conversando com interlocutores do presidente, do pre­feito e de seus amigos. Todos reverbe­ram a “preocupação do Lula e do Mari­nho com o uso político” do julgamento - e relatam a pressão, de forma direta ou indireta, sobre Lewandowski. Laerte Demarchi diz que a família do ministro anda preocupada com a pressão sobre “Ricardo”. Ele relatou uma conversa que teve com Anita Lewandowski no dia 30 de junho, quatro dias depois de o minis­tro ter apresentado seu voto revisor do mensalão após uma reprimenda pública do presidente do Supremo, Carlos Ayres Brito. Anita desabafou: “Vocês viram o que estão fazendo com o Ricardo?”. Laerte respondeu: “Mas não é isso o que ele queria, ser ministro do Supremo? Agora, aguenta. Por que ele está preocu­pado? Se não tem nada (para condenar os réus), então não tem nada. Não vai ter problema”. A conversa foi relatada por Laerte a ÉPOCA numa mesa do res­taurante. Ele torce pela absolvição do ex-deputado José Dirceu, um dos réus no processo: “Podem falar o que quise­rem, mas eu realmente acredito nesse homem”. Sobre o julgamento, Walter Demarchi afirmou: “Lewandowski não passará um réu no moedor de carne sem ter certeza de sua culpa”. ÉPOCA perguntou aos irmãos Laerte e Walter se haviam conversado com o amigo Lewandowski sobre o assunto. Os dois disseram que não. Apesar de as famílias se frequentarem e os Lula da Silva tam­bém serem próximos de Lewandowski e de sua irmã. Lula e Laerte Demarchi também passaram juntos parte das fé­rias de julho numa chácara.

PROSPERIDADE


O município de São Bernardo, que ostenta em sua bandeira a figura de um bandeirante e de um indígena, vive um bom momento não apenas pelo pro- tagonismo de seus filhos e moradores ilustres na vida pública brasileira. Há também prosperi­dade na área das verbas públicas. No primeiro semestre deste ano, São Ber­nardo ganhou R$ 79,3 milhões em transferências da União, R$ 20 mi­lhões a mais que Guarulhos, cidade também adminis­trada pelo PT, porém com quase 500 mil habitantes a mais que o município comandado por Marinho.

Além de dinheiro, Marinho tem poder. Ele foi encarregado por Lula de cuidar das costuras políticas com os di­retórios do PT e aliados. Foi ele quem ajudou a convencer Lula a posar para a já famosa foto ao lado do deputado federal Paulo Maluf em São Paulo. Ma­rinho também negociou a aproximação do PT com Gilberto Kassab (PSD), seu parceiro em São Bernardo. Segundo um dirigente do PSD ouvido por ÉPOCA, Marinho “aproximou” Kassab a Lewan­dowski no momento em que o STF ana­lisava o pedido do partido de Kassab para ter direito ao tempo gratuito de TV nas eleições neste ano - a causa foi vito­riosa. Transformar Marinho num líder nacional do PT é hoje uma obsessão de Lula. Foi ele quem pediu a Dilma que ela participasse da inauguração de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) no dia 5 deste mês. O evento conferiu o prestígio que faltava a Marinho, hoje identificado dentro do partido como “o homem que conversa com o Lula”. À medida que ele, ex-sindicalista como Lula, se fortalece como administrador e articulador, o ex-presidente ganha um ator fiel a seu projeto de não perder o controle do PT para o grupo rival - aquele que começa a se formar em torno de Dilma e tem como estrelas os minis­tros mais próximos da presidente, como Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Aloizio Mercadante (Educação). Marinho tam­bém é uma opção de Lula para a disputa do governo de São Paulo em 2014.

A aliança entre Lula e Marinho causa desconforto em petistas paulis­tanos, que não aceitam a intromissão de Marinho no comando da candida­tura de Fernando Haddad a prefeito de São Paulo. Segundo eles, Lula quer impor um líder assim como impôs Haddad candidato. A confiança de Marinho na própria reeleição é tama­nha, e seus projetos tão mais amplos, que ele diz: “Abro mão da presença dele, Lula (na minha campanha), para que ele possa ir a Santo André, Mauá e São Paulo”. Se o projeto de Lula e Marinho der certo - e se o voto de Lewandowski acompanhar os vaticí­nios dos irmãos Demarchi -, a vitó­ria poderá ser creditada à “República de São Bernardo”.



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