28/8/2008 |
O Supremo Tribunal Federal (STF) está julgando algo muito mais importante do que a demarcação, de maneira contínua ou não, da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. A decisão a que chegar a mais alta Corte de Justiça do País, ao interpretar o que dispõe a Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988, irá muito além da fixação de parâmetro para outras 144 ações envolvendo demarcações de terras indígenas, na Bahia, Pará, Paraíba, Distrito Federal e Rio Grande do Sul. O que o Supremo julgará, em última instância, serão os limites e a verdadeira demarcação da soberania nacional, ante a possibilidade de em nossa base territorial constituir-se um enclave nacional independente do Estado brasileiro. Como lembrou o embaixador Rubens Barbosa, em artigo publicado terça-feira no Estado, ao contrário dos quatro países com significativas populações indígenas - Canadá, EUA, Austrália e Nova Zelândia - que votaram contra a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, negociada nas Nações Unidas em 1993 (e que levou mais de 15 anos para ser aprovada), o Brasil votou a favor. Nisso discordou dos argumentos com que o governo australiano repudiou o documento - apesar de a questão indígena existir nos dois países -, segundo os quais a Declaração concede às populações indígenas direitos que conflitam com os do restante da população, bem como com “o marco constitucional dos países democráticos”. A principal objeção australiana foi contra o emprego do termo “autodeterminação”, justamente por ele pôr em risco a integridade territorial do país. Se em Roraima for sacramentada, pelo Supremo, a demarcação das terras indígenas de forma contígua, em região fronteiriça à Venezuela, haverá a possibilidade de criação de uma nação indígena (no caso ianomâmi) ocupando os dois lados da fronteira. Havendo a prerrogativa da “autodeterminação”, escudada na Declaração, os povos indígenas podem decidir livremente sua condição política, com direito à autonomia e ao autogoverno nas questões relacionadas a seus assuntos internos e locais. Pelo artigo 6º desse documento da ONU, toda pessoa indígena tem direito a uma nacionalidade - presumindo-se que, no caso, pudesse ser diversa da brasileira. Reza o documento que não se desenvolverão atividades militares nas terras ou nos territórios dos povos indígenas, a menos que uma razão de interesse público pertinente as justifique ou que os povos indígenas interessados as aceitem ou solicitem livremente. Assim, de acordo com o artigo 30, os Estados terão que consultar os povos indígenas interessados antes da utilização de suas terras ou de seus territórios para atividades militares. Indaguemos agora: e se tal utilização decorrer de uma emergência estratégica, no campo da segurança nacional? Além disso, pelo artigo 36, I da Declaração da ONU, os povos indígenas têm o direito de desenvolver contatos, relações e cooperação, inclusive políticos, com outros povos indígenas além-fronteiras. E se esse relacionamento representar algum risco para a preservação das fronteiras brasileiras? Não é de hoje que se fala em “internacionalização da Amazônia”. Se antes a preocupação brasileira, quanto a esse tema, se restringia à decantada “cobiça” estrangeira por nossas riquezas naturais, nesses tempos de nervosismo mundial, provocado pela contribuição que o desmatamento amazônico tem dado ao aquecimento global, a preocupação no tocante à manutenção de nossa soberania sobre o fantástico bioma assume proporções muito maiores. Ao estabelecer - com o apoio do governo brasileiro - que os direitos dos povos indígenas são “objeto de preocupação e responsabilidade internacionais”, a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas pode justificar uma ação de cobrança internacional da preservação da Amazônia - muito além da retórica. E é por isso que a autonomia de enclaves nacionais em nossa base territorial pode se tornar extremamente perigosa. Esperemos que os insignes membros da mais alta Corte de Justiça do País tenham a clara consciência dos riscos que rondam o Brasil |