A privatização, que, como assegura o ministro da Secretaria de Aviação Civil, Wagner Bittencourt, não ficará restrita a Cumbica, Viracopos e Brasília, é um marco histórico. É o reconhecimento de que o Estado não tem capacidade de investir em todos setores da vida econômica. Ademais, mostra que, depois de 14 anos, as privatizações foram retomadas no Brasil.
A última rodada importante de desestatização ocorreu em julho de 1998, quando o governo Fernando Henrique Cardoso leiloou o Sistema Telebrás. É redundante lembrar que, quase uma década e meia depois, o país deixou a Idade das Trevas em matéria de telecomunicação para se tornar uma das plataformas mais modernas do mundo - com muito a avançar ainda, registre-se, no segmento de internet banda larga e no respeito ao consumidor.
Um ano antes, em 1997, foi privatizado o controle acionário da Vale, hoje uma das maiores empresas de mineração e logística do planeta. Na mesma época, venderam-se quase todas as distribuidoras estaduais e federais de energia. Na primeira metade dos anos 90, foram desestatizados os setores siderúrgico e petroquímico, além da Embraer, que, em mãos privadas, tornou-se estrela reluzente da indústria aeroespacial mundial.
Em 2001, o governo abriu o capital da Petrobras, criando espaço para a empresa aumentar fortemente investimento e produção. Hoje, todas áreas privatizadas, com exceção de algumas distribuidoras de energia, apresentam resultados positivos. Algumas empresas, como a Embraer, a Vale e a Petrobras, tornaram-se multinacionais competitivas.
Daqui a 20 anos, a gestão Dilma Rousseff será lembrada pelo início da privatização dos aeroportos. Assim como ocorreu no caso das vendas de outras estatais, ela está sendo criticada, especialmente por seus correligionários, acostumados que estão a demonizar as privatizações. Com o tempo, as críticas desaparecerão por uma razão muito simples: os aeroportos vão crescer e tornar-se confortáveis; mais empregos serão gerados; os preços das passagens áreas, por causa da maior oferta de voos, vão cair e mais brasileiros serão incluídos no mercado de aviação.
A privatização dos aeroportos, como bem lembrava Solange Vieira, ex-diretora-geral da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac), é antes de mais nada uma necessidade. Por causa da estabilização da economia, a aviação civil cresceu a taxas recordes. Sem investimentos privados na infraestrutura, os aeroportos não acompanharam esse crescimento, impedindo a criação de novos voos e a entrada de novas empresas transportadoras de passageiros.
Na verdade, o mercado cresceu à revelia da infraestrutura aeroportuária nos anos recentes, tornando caóticas as condições de atendimento dos passageiros. Viajar de avião no Brasil tornou-se um exercício de paciência. Aeroportos hiperlotados, instalações precárias, serviços indignos, tudo contribui para tornar o que poderia ser um prazer num verdadeiro suplício. Sem mudança nos aeroportos, a tendência dos preços das passagens é disparar, expulsando desse meio de transporte os milhões de brasileiros que passaram a usá-lo nos últimos anos.
O ministro da Secretaria de Aviação Civil, Wagner Bittencourt, desembarcou no governo em abril do ano passado. Em apenas nove meses, liderou o processo que resultou na privatização emergencial de três aeroportos. Ontem, cumprida a primeira missão, ele parecia aliviado, mas ao mesmo tempo incomodado com algumas críticas que ouviu e leu sobre o leilão. Uma delas foi sobre o ágio médio (de 347%) oferecido pelos ganhadores, fato que teria criado desconfianças sobre a capacidade de pagamento e de investimento das empresas.
"Antes do leilão, vimos muita gente dizer que o preço de alguns aeroportos estava muito alto, que o leilão não ia sair, e vimos depois que saiu e com ágios grandes, e alguns até com ágio superior ao de São Gonçalo do Amarante (RN) - 228%", disse Bittencourt. "O preço depende da avaliação e das expectativas dos agentes econômicos. Então, não existe nisso erro ou acerto. É impossível alguém acertar uma coisa como essa. Essa é uma falsa questão."
O ministro denuncia o que chama de "discriminação deplorável" - as críticas ao fato de as empresas e os operadores vencedores dos leilões serem de porte médio, quando comparados às grandes empreiteiras que ficaram de fora. "O importante é a competição. Quantos mais investidores tivermos [num leilão], melhor. Além disso, ninguém nasceu grande. Se não dermos oportunidades aos médios, como demos em outros setores da economia, como energia e rodovias, ficaremos limitados. O país está crescendo muito e, portanto, precisa de novos atores."
Bittencourt não teme a capacidade financeira dos grupos ganhadores nem tampouco a qualidade dos três operadores estrangeiros. "Minha visão é que esses grupos têm perfeitas condições de cumprir as suas obrigações e mais: nós estamos estruturados para fiscalizar os grupos. Vamos cobrar e os contratos são bem firmes em relação a isso", assegurou. "Além da carta de garantia [bancária, dada pelos consórcios para participar dos leilões], os grupos terão que aportar capital antecipadamente na SPE (Sociedade de Propósito Específico) para garantir a execução das obras, principalmente, dessas que precisarão ser feitas até a Copa do Mundo. Ninguém entrou ali para brincar."