Não é a primeira vez que Timor faz notícia nestes últimos anos pelas piores razões. Desta vez, a coisa foi um pouco mais grave, porque expulsar magistrados que se encontravam no território ao abrigo de protocolos de cooperação é um “bocadinho mau”. Se a isto adicionarmos as supostas razões que motivaram as expulsões – investigações judiciais em curso envolvendo membros do Governo por suspeitas de corrupção – percebemos que a inocência e lirismo até com que por vezes olhámos Timor nestes últimos 15 anos está a chegar ao fim.
E sejamos claros a este respeito: por mais que achemos que o nosso sistema de justiça tem os seus problemas e que os seus agentes não são santos, é difícil vislumbrar uma justificação minimamente razoável para expulsão decretada. E não nos é difícil presumir a inocência e a integridade dos magistrados portugueses em terras timorenses, até porque não proliferam na justiça nacional casos de corrupção de magistrados. O nosso sistema de justiça tem inúmeros problemas, mas este não tem sido um deles. Neste sentido, apesar das notícias que nos chegam praticamente só mostrarem o ângulo das vítimas de expulsão e a sua versão sobre o que motivou tal acto, não parecem restar dúvidas de que o Governo Timorense sai bastante mal desta fotografia.
E não é a primeira vez que tal acontece. Quase desde a independência do território que se sussurram e confidenciam nos mais diversos círculos nacionais diversas histórias que pretendem demonstrar a imaturidade do Estado Timorense. Desde histórias de má e incompetente gestão de dinheiros públicos, contratos pessimamente negociados com empresas australianas, ausência de quadros nacionais qualificados, guerrilhas entre elites governamentais, fraca separação entre a Igreja e o Estado, entre muitas outras histórias que sempre foram aparecendo dispersas na comunicação social nacional.
Como é evidente, depois de toda mobilização Portuguesa em torno da independência timorense, aceitar este tipo de pecados do país irmão não é fácil. Depois de todo o romantismo associado à figura de Xanana Gusmão, o nosso Mandela da língua portuguesa, aceitar a sua incapacidade ou duvidar até da sua integridade enquanto político não é uma tarefa fácil.
Aliás, nestes momentos menos bons do Estado Timorense, quase conseguimos ouvir as vozes dos cépticos que em cada esquina existiam e ainda existem, fazendo sempre questão de avisar para a “impreparação” de Timor se governar a si próprio. Fazendo questão de sublinhar a inviabilidade de um Timor independente, por razões políticas, económicas, sociais, geográficas, entre muitas outras. No fundo, uma espécie de discurso paternalista e sempre com traços xenófobos e/ou saudosistas. Um discurso que até admira o povo Timorense, mas considera-os “impreparados” para exercerem plenamente a sua liberdade enquanto país.
Como é evidente, apesar do processo de independência de Timor ter todos os traços de uma bela história romântica, estranho seria que a tarefa de formar um Estado, de formar um país, corresse num mar de rosas. Estranho seria que não surgissem enormes dificuldades estruturais, como a inexistência de instituições, a ausência de infra-estruturas, os baixos níveis de qualificação da população, a fraca cultura cívica e democrática dos timorenses, entre muitas outras dimensões. Não existem milagres a este respeito e muitos exemplos internacionais poderiam aqui ser trazidos para mostrar isso mesmo.
Assim sendo, mais do que diabolizar de um dia para o outro Timor e os seus protagonistas, dando razão aos cépticos desta e de outras vidas, importa sim tratar os timorenses como gente crescida. Isto é, apesar de todas as dificuldades do seu país, tratá-los como responsáveis pelos seus atos, sem dramatismos e com serenidade. Parece-me a atitude mais inteligente a ter e Timor agradece com certeza.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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