O GLOBO EDITORIAL
Fazendo jus à fama de "ilha da fantasia", a Brasília da posse de Dilma Rousseff no segundo mandato patrocinou um evento sem sintonia com a realidade do país. O principal pronunciamento da presidente, perante o Congresso, passou longe do Brasil real, ao adotar um modelo de discurso palanqueiro, de campanha eleitoral. Por exemplo, quando, na série de autolouvações, proclamou a convicção da presidente "sobre o valor da estabilidade econômica, da centralidade do controle da inflação e a necessidade da disciplina fiscal (...)." Ora, se assim houvesse sido, Dilma não precisaria, no mesmo discurso, anunciar um ajuste nas contas públicas.
Também condizente com o estilo de campanha, o pronunciamento foi perpassado pelo cacoete petista típico de alimentar o confronto entre "nós" e "eles". Se a postura de estimular conflitos nunca é a melhor no exercício da política, a atmosfera se torna ainda mais pesada depois de uma eleição acirrada, da qual o PT saiu vitorioso por apenas três pontos percentuais. Nada que reduza a legitimidade da vitória, mas algo que não pode escapar da sensibilidade dos políticos.
A esperança é que Dilma tenha descido do palanque logo no dia seguinte à posse. Há um trabalho duro para recuperar o terreno perdido na estabilização econômica, no primeiro mandato, e ela é peça-chave na ação política com este objetivo. O trabalho até já começou, com a edição, nos últimos dias do ano, por medidas provisórias, de necessárias readequações nas normas de concessão de benefícios como pensões por morte, seguro-desemprego, etc.Faz tempo benefícios previdenciários e pensões precisavam ser reordenados, mesmo que não houvesse a premência do ajuste fiscal.
Com regras irreais, inexistentes mesmo em países ricos, gastos do INSS, por exemplo, crescem exponencialmente em relação ao PIB. De 1991 a 2015, as despesas totais previdenciárias terão escalado cerca de cinco pontos percentuais do PIB.
A luta para aprovar essas MPs no Congresso, essenciais para o ajuste, com uma redução estimada de R$ 18 bilhões em gastos, trará a presidente para as dificuldades da vida real, com os embates que serão travados em torno das medidas.
No lado da oposição, prenuncia-se uma guerra ao governo nos moldes do radicalismo do PT quando estava fora do poder. Ora, o PSDB sabe que o ajuste é necessário e precisará distinguir o que se trata de ação política oposicionista de sabotagem contra os interesses da nação. Entende-se que o baixo nível da campanha eleitoral, muito devido ao PT, deixou marcas. Mas elas precisam ser superadas quando estiverem em debate temas estratégicos como este. E virão outros, contrários a interesses de corporações e grupos abrigados na base do governo. Será um equívoco se o PSDB e aliados se juntarem ao que há de mais retrógrado no Congresso, à esquerda e à direita.
Aliás, os tucanos sabem do que se trata, pois apoiaram Lula nas alterações feitas na previdência do funcionalismo público, em 2003.