Se a expressão “Dono Disto Tudo” popularizou-se bem em torno da figura de Ricardo Salgado, “Amigo disto Tudo” assenta na perfeição a Marcelo Rebelo de Sousa. Começa por fazer sentido tendo em conta a sua grande amizade com o até há pouco líder incontestado do Grupo Espírito Santo. Mas significa bem mais do que isso. É que, se olharmos com o mínimo de atenção para Marcelo Rebelo de Sousa, percebemos que representa bem o tipo de personagem muitíssimo influente do nosso sistema político que sempre se conseguiu dar bem com deus e com o diabo. Nunca se percebe claramente o que defende, sobre o que estaria disposto a bater-se ou, muito menos, quais sãos as suas linhas vermelhas em termos políticos.
O comentador mais popular do país conseguiu nos últimos anos um estatuto invejável. Com anos e anos de monólogo, aliado a uma capacidade de comunicação impar, “o Professor” foi entrando nas casas de grande parte dos Portugueses. E foi sedimentando ano após ano esta imagem de simpatia e confiança, nomeadamente junto de segmentos do eleitorado menos sofisticados. Marcelo foi sempre resistindo à tentação de assumir fortemente uma bandeira, de apoiar vivamente um candidato ou uma linha política. Pelo contrário, encarnou de corpo e alma a imagem de comentador que, semanalmente, vai avaliando os casos da política nacional. Uma avaliação feita sempre tão ao centro, baseada sempre tanto no senso comum e na tendência mainstream do comentário político, que o fez chegar a sectores vastos do eleitorado.
Escusado será, no entanto, recordar que a carreira política de Marcelo Rebelo de Sousa é vasta e rica até. Apesar da sua actividade antes do 25 de Abril ainda hoje levantar algumas dúvidas, Marcelo integrou desde logo a Assembleia Constituinte, foi membro do Governo de Balsemão, foi candidato à Câmara de Lisboa e foi ainda presidente do PSD nos primeiros anos dos Governos de Guterres. Desde então, nunca se afastou do que se passava politicamente no país, precisamente porque desde o ano 2000 que possui um espaço de comentário político televisivo. Marcelo respira política. Conhece e movimenta-se no panorama politico nacional como poucos.
Assim sendo, não me preocupa tanto a tentativa de Marcelo mitigar a sua costela política. Sabe que a vasta maioria do eleitorado não tem grande empatia com grandes animais políticos, mas sim com quem critica, de forma simples e acessível, o “actual estado das coisas”. Preocupa-me sim o aparente paradoxo de, por detrás deste suposto distanciamento da política, Marcelo representar na perfeição, embora de forma camuflada, o tipo de ator que é o principal responsável pelo país chegar ao precisamente ao “actual estado das coisas”.
Marcelo que apoiou o Governo de Durão Barroso numa primeira fase, para depois começar a criticá-lo na fase moribunda. Marcelo que até simpatizou numa primeira fase com Sócrates, para depois criticá-lo quando o seu estado de graça desapareceu. Marcelo que defendeu no início a austeridade de Passos Coelho, para depois começar a criticá-la quando a mesma começou a ser altamente impopular. O mesmo Marcelo que agora já demonstrou empatia com António Costa, mas que mudará naturalmente de campo assim que estado de graça terminar. Em suma, Marcelo é o tipo de personagem política flutuante que estará sempre com os vencedores, nunca com os derrotados. Marcelo gosta que as coisas mudem, para que tudo fique na mesma.
Depois destes últimos 10 anos de Cavaco Silva, a vitória de Marcelo assumirá sempre contornos de “lufada de ar fresco”. Sobretudo pelo seu estilo, pela sua capacidade de comunicação. De qualquer modo, apenas pedia que os votantes de Marcelo o façam tendo presente o Professor será sempre o grande garante de que tudo ficará na mesma. Não se podem esperar mudanças sérias vindas de quem é o grande Amigo Disto Tudo.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
(Imagem: Top FM)
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