Argélia: sangue e liberdade - GILLES LAPOUGE
Política

Argélia: sangue e liberdade - GILLES LAPOUGE


O Estado de S.Paulo - 18/03/12


Há exatos 50 anos, representantes do general Charles de Gaulle e do
Governo Provisório da República Argelina (GPRA) reuniram-se em Evian,
a luxuosa estância termal na margem francesa do Lago Léman, para
assinar um cessar-fogo. Foi assim que, em 19 de março, terminou a
Guerra da Argélia - tragédia terrível que derrubou uma república,
trouxe de volta ao governo o general De Gaulle, matou cerca de 30 mil
soldados franceses e 500 mil argelinos, dilacerou a França e pôs fim
ao império colonial francês.

O pesadelo começara oito anos antes, em novembro de 1954. Em Aurès, na
parte oriental da Argélia, dois professores franceses, o casal
Monnerot, são assassinados. A França mal fica sabendo desses
fuzilamentos "no fim do mundo". No entanto, são o prenúncio das
torrentes de sangue que maculariam o solo da mais bela possessão da
França. Aquele novembro frio e nublado entrou para a História como o
"Toussaint Rouge" (Dia Vermelho de Todos os Santos).

A Argélia fora a França do outro lado do Mediterrâneo. Uma joia. "Por
toda a parte há água e terras férteis", dizia o conquistador do
território, general Robert Bugeaud, em 1847. "Usei o fanatismo dos
árabes a ponto de eles hoje estarem submissos como carneiros." Um
século mais tarde, os "carneiros" tornaram-se "feras".

Em 1913, depois em 1940, eles lutaram com as tropas francesas contra
os alemães. Infelizmente, no dia da vitória contra o Reich, 8 de maio
de 1945, distúrbios nacionalistas explodem na cidade de Sétif. Dezenas
de milhares de argelinos mortos. Em 1954 nasce a Frente de Libertação
Nacional (FLN), que organiza o "Toussaint Rouge".

De Gaulle ressurge. Em Paris, o governo é do formidável Pierre
Mendès-France - o ministro do Interior é François Mitterrand. Os dois,
de esquerda, respondem com repressão. No ano seguinte, Mendès-France
cai. A consciência francesa fica dividida. Os governos caem como um
castelo de cartas. Em Argel, os "pieds noirs" - como eram chamados os
colonos franceses - organizam-se. Em 13 de maio de 1958, um golpe
explode. O general Jacques Massu, na Argélia, apela ao general De
Gaulle, que sai do seu ostracismo. E se torna presidente do Conselho
de Estado.

Paris envia um contingente de 400 mil soldados para lutar contra 25
mil combatentes argelinos. A luta atinge toda Argélia, incluindo as
grandes cidades. O Exército francês endurece. Para limpar a "kasbah"
(bairro árabe) de Argel, Massu recebe plenos poderes. E começam as
atrocidades: os argelinos massacram, cortam braços, pés, colhões, em
resposta às torturas infligidas pelos soldados franceses. Os dois
lados convergem para o abismo.

A maioria dos países estrangeiros compreende o combate dos argelinos.
De Gaulle busca a negociação. Os "pieds noirs" irritam-se com o De
Gaulle que ainda ontem adoravam. Em janeiro de 1961, Argel se levanta.
De Paris, De Gaulle dá ordens ao contingente de soldados para
desobedecer seus chefes. O golpe fracassa. Um ano mais tarde são
assinados os acordos de Evian, o cessar-fogo e a independência da
Argélia.

Esse foi o fim do Império Francês. Como nas tragédias reais, não há
culpados, nem inocentes. Apenas franceses e argelinos comuns,
estrangulados por acaso pela mão de ferro da história. O dia 19 de
março de 1962 marcou a saída do abismo. E o início da longa amargura.
/ TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO




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