Arte A luz de Cézanne na pintura moderna
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Arte A luz de Cézanne na pintura moderna


Pai de todos

Exposição coteja 59 obras de Cézanne com as de
dezenove artistas e mostra, com todos os detalhes
fabulosos de cor e forma, como o mestre francês
sepultou o academicismo e deu à luz a pintura moderna


André Petry, da Filadélfia

Fotos Album/Latinstock e Rick Maiman/Corbis/Latinstock
OS RETRATOS
Cézanne pintou quase trinta retratos de sua mulher, Hortense, como a tela à esquerda, e inspirou toda uma geração de artistas, inclusive Picasso, que, anos mais tarde, pintaria sua amante (no detalhe) a partir de Cézanne


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"Ele é o mestre de todos nós", disse o francês Henri Matisse. "Ele era como nosso pai", declarou o espanhol Pablo Picasso. E completou: "Ele foi meu único mestre". Matisse e Picasso referiam-se ao pintor francês Paul Cézanne (1839-1906). As declarações mostram que Cézanne foi uma influência decisiva na arte dos dois gigantes da pintura moderna. Uma exposição no Museu de Arte da Filadélfia, que ficará em cartaz até 17 de maio e não viajará para nenhum outro lugar dentro ou fora dos Estados Unidos, vai ainda mais longe: propõe que nenhum outro pintor teve tanta influência sobre a arte do século XX como Paul Cézanne. A mostra tem 59 obras do mestre francês e coteja-as com 112 obras de dezenove artistas, Matisse e Picasso entre eles. Só o arco cronológico do plantel dá uma ideia da largueza da influência de Cézanne: dez artistas nasceram no século XIX e nove no século passado, sete dos quais estão vivos. Em suas pinturas, desenhos, esculturas e até fotografias, todos são filhos de Cézanne.

A paternidade de Cézanne sobre a arte do século XX não é uma tese nova, mas permanece um tanto enigmática. Cézanne não tem a sensualidade de Gauguin, a leveza de Renoir ou a emoção de Van Gogh – todos eles artistas de sua época, a segunda metade do século XIX. Por que, então, virou referência tão sólida da arte moderna? Sua personalidade, em vez de ajudar, confunde. Cézanne era introvertido, tinha pânico de ser tocado de surpresa e repudiava os sinais da modernidade. Achava que as calçadas para pedestres adulteravam o clima da cidade e dizia que a chegada da iluminação elétrica nas ruas devastava o crepúsculo. E, no entanto, Cézanne virou o pai de todos. Como? Para ajudar a entender esse paradoxo, a exposição da Filadélfia mostra que, mesmo sem ter os distintivos dos seus contemporâneos nem apreço algum pela vida moderna que então se insinuava, Cézanne tinha o essencial: vivia a pintura mais do que a própria vida, razão pela qual sua arte transcendeu seu tempo e até suas próprias ideias de sociedade e comportamento. Diante de seus quadros, é fácil perceber que Cézanne não viveu. Cézanne pintou. E, pintando, sepultou o academicismo e, talvez sem querer, abriu a caixa de Pandora de onde sairia o modernismo.

Fotos Cornis/Latinstock e Album/Latinstock
O LEGADO
A Mulher em Azul, de Matisse, e uma natureza-morta de Cézanne: com suas perspectivas múltiplas e seu desafio à gravidade, o quadro encantou os futuros cubistas

Cézanne inspirou expressionistas, construtivistas, divisionistas, supremacistas, futuristas e uma penca de "istas" do século XX. Fez esplêndidas naturezas-mortas. Em seu estúdio havia maçãs por todos os cantos. Pintava-as com maestria. Com Natureza-Morta com Maçãs, de 1893-94, Cézanne fascinou os futuros cubistas. Os objetos desafiam a gravidade e aparecem em múltiplas perspectivas, tendo todos os elementos de uma imagem incoerente e desequilibrada – e, no entanto, tudo ali faz sentido ao olhar. Cézanne também fez paisagens colossais (pintou e repintou o Monte Sainte-Victoire, perto de Aix en Provence, sua cidade natal) e retratos inesquecíveis (só de sua mulher, Marie-Hortense, fez quase trinta). Seus retratos são duros, cansados, taciturnos. Já se disse que sua preferência por Marie-Hortense não vinha só da disponibilidade física da modelo, mas também do seu rosto, tão expressivo quanto uma lata de sardinha. Com Madame Cézanne numa Poltrona Vermelha, trabalho feito por volta de 1877, cuja saia em múltiplos tons de verde é um espetáculo à parte, causou um impacto profundo. A partir dessa tela, Matisse pintou Mulher em Azul (1937) e Picasso fez O Sonho (Marie-Thérèse) (1932), em que retrata sua então amante com uma evidente sugestão erótica no formato fálico do seu rosto.

Com sua antológica série de banhistas, Cézanne encantou os pintores de seu tempo e deixou um legado poderoso. Na exposição, há sete variações de banhistas – pintadas entre 1877 e 1906, ano de sua morte. Entre elas está a tela Cinco Banhistas, de 1885-1887, que levou Picasso a fazer Les Demoiselles d’Avignon (1907), a obra seminal do pintor espanhol que marcou o início do cubismo, o mais revolucionário movimento pictórico do século passado. (Infelizmente, Les Demoiselles d’Avignon não faz parte da exposição.) A seleção dos artistas que Cézanne influenciou, sobretudo os mais recentes, pode ser questionável – seja pela presença escassa de mulheres (só duas, Liubov Popova e Sherrie Levine), seja pela presença excessiva de americanos (sete, entre vivos e mortos – embora seja inquestionável a inclusão de Arshile Gorky, cuja obra, magnífica, capturou a essência de Cézanne). Mesmo para quem não aprecia nenhum dos outros artistas, Cézanne, por si, vale o ingresso.

Hulton Archives/Getty Images
O COLECIONADOR
Barnes: na primeira viagem a Paris, dois Cézanne

Em 59 obras, Cézanne aparece em todo o seu esplendor, com suas pinceladas curtas e diagonais. Seu domínio do azul é impressionante. O azul de Cézanne coloca ar dentro de seus quadros. Numa variação da série dos banhistas, o artista marca o perfil das mulheres nuas com grossas pinceladas de azul e, com isso, lhes dá uma luminosidade mágica, elétrica. Sua versatilidade com o verde é interminável. Em Le Pont de Maincy, trabalho feito por volta de 1879, Cézanne parece ser o dono da cor. A exposição na Filadélfia tem ainda a vantagem de ficar perto de Merion, onde está situada a Barnes Foundation, dona de uma das mais espetaculares coleções de impressionistas, pós-impressionistas e modernistas do mundo. Seu fundador, o empresário Albert Barnes (1872-1951), que fez fortuna vendendo Argyrol, um pó antisséptico, esteve em Paris pela primeira vez em 1912. Interessado em arte, comprou dois quadros de Cézanne. Era o início de seu acervo fabuloso. Hoje, a Barnes, só de Cézanne, tem 69 obras, além de Matisse (59), Picasso (46), Degas (11) e Van Gogh (7). Como se vê, quando se trata do melhor da pintura, na Filadélfia e em Merion, ninguém perde a viagem.




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