As frágeis contas externas
O Estado de S.Paulo
27 Julho 2014 | 02h 05
Continuam mal as contas externas, embora os números de junho tragam pelo menos duas boas notícias - uma raríssima coincidência, nos últimos anos, quando se trata do balanço de pagamentos. Contas externas em bom estado são importante fator de segurança. A maior parte das grandes crises brasileiras esteve associada a problemas nessa área.
A primeira novidade positiva foi a redução do déficit em conta corrente. O resultado negativo ficou em US$ 3,34 bilhões, o menor em nove meses. Desde outubro, o buraco havia sido sempre maior que US$ 5 bilhões. A conta corrente, a medida mais ampla das transações com o exterior, inclui a balança comercial, as contas de serviços e de rendas e as transferências unilaterais. A segunda boa notícia foi o ingresso de US$ 3,92 bilhões de investimento direto estrangeiro, valor mais que suficiente para cobrir aquele déficit. Esse tipo de investimento, destinado ao setor empresarial, é a mais segura e mais produtiva forma de financiamento de origem externa.
O quadro mais amplo é muito mais feio. No primeiro semestre, o déficit em transações correntes chegou a US$ 43,31 bilhões, pouco superior ao de um ano antes e equivalente a 3,84% do Produto Interno Bruto (PIB). O investimento direto, de US$ 29,26 bilhões, ficou muito longe do necessário para financiar aquele rombo. O cenário é também ruim quando se examinam os números acumulados em 12 meses: déficit de US$ 81,19 bilhões e investimento direto de US$ 63,27 bilhões, pouco menor que o acumulado no mesmo período até junho do ano passado: US$ 65,53 bilhões.
O único dado positivo, nesse conjunto, é a aparente disposição dos investidores de manter um fluxo muito parecido com o do ano passado. Ainda há muitos empresários, segundo essa indicação, otimistas quanto às possibilidades econômicas do Brasil. Investimentos diretos são lucrativos quando a economia prospera ou, na pior hipótese, quando vai bem o setor escolhido para a aplicação. O dado negativo é o descompasso, muito amplo nos últimos dois anos, entre as necessidades de financiamento e os fluxos de recursos mais seguros e produtivos.
O déficit em conta corrente acumulado nos 12 meses até junho ficou em 3,58% do PIB estimado para o período. Desde agosto do ano passado essa proporção se tem mantido pouco acima ou pouco abaixo de 3,6%. Não é um desastre nem se pode falar de perigo a curto prazo. Em caso de nova turbulência internacional, o País terá, pelo menos por algum tempo, a segurança de bom nível de reservas, atualmente na vizinhança de US$ 380 bilhões.
Reservas, no entanto, podem diminuir em ritmo perigosamente rápido, quando se combinam más condições de mercado e desconfiança crescente em relação às perspectivas do País. Experiências desse tipo estão registradas na história econômica do Brasil e de muitos outros países, alguns desenvolvidos. Sem confiança, nem o fluxo anual de cerca de US$ 60 bilhões de investimento direto estará garantido.
Para este ano, o Banco Central (BC) estima um déficit em conta corrente de US$ 80 bilhões (3,47% do PIB) e investimento direto estrangeiro de US$ 63 bilhões. Esses itens corresponderam, no ano passado, a US$ 81,06 bilhões e US$ 64 bilhões. A mudança esperada, portanto, é muito pequena e os números projetados são quase iguais aos contabilizados nos 12 meses terminados em junho.
O principal desafio continuará localizado na balança comercial. Estima-se para 2014 um superávit de US$ 5 bilhões na conta de mercadorias, superior ao de um ano antes, de US$ 2,55 bilhões, mas muito inferior à necessidade brasileira. O País precisa de resultados muito melhores no comércio de bens para compensar, pelo menos em parte, o déficit estrutural em serviços e rendas. Há dois anos o superávit comercial brasileiro ainda superou US$ 19 bilhões.
A queda do resultado comercial é explicável, principalmente, pela redução - iniciada há vários anos e acelerada recentemente - da competitividade da indústria. A piora do comércio é gêmea da estagnação de uma indústria com baixa eficiência e custos altos. Reflete o fracasso de uma política. Essa é a fonte principal do risco externo.