A célula da esperança
Cientistas criam as primeiras células-tronco embrionárias
do Brasil, quatro meses depois de liberadas pelo STF
Paula Neiva
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Uma parceria entre pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) produziu a primeira linhagem de células-tronco embrionárias do Brasil, anunciada na semana passada. Elas foram obtidas de embriões que estavam congelados havia mais de três anos em clínicas de fertilização e que foram doados para a pesquisa. É o primeiro resultado prático da legalização das pesquisas com embriões humanos, cujo último obstáculo legal foi removido pelo Supremo Tribunal Federal há apenas quatro meses. Até agora, como não existiam linhagens produzidas no país, os pesquisadores brasileiros eram obrigados a trabalhar com material importado.
O domínio da técnica garante a autonomia nacional na obtenção dessas células, consideradas como a vertente mais promissora no desenvolvimento de tratamento para doenças ainda sem cura, como Parkinson, paraplegia e diabetes tipo 1. "As terapias criadas a partir dessas células terão patente brasileira, ao contrário do que acontece com as pesquisas que utilizam células estrangeiras", diz o neurocientista Stevens Rehen, diretor de pesquisa do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ e um dos autores do estudo. O custo para a obtenção de células-tronco também cai drasticamente. De acordo com Rehen, um frasco com 1 milhão de células-tronco embrionárias importado dos Estados Unidos custa perto de 3 000 reais. A mesma quantidade, se produzida no Brasil, sai por apenas 8 reais.
As células-tronco embrionárias são uma espécie de curinga genético, já que podem se transformar em qualquer um dos 216 tipos de célula do corpo humano. Por outro lado, as células-tronco adultas, extraídas de doadores ou do próprio paciente, só podem se transformar em tecidos simples como músculos, ossos, cartilagem e gordura. Para chegar à primeira linhagem de células-tronco brasileiras, foram utilizados 308 embriões, doados por duas clínicas de reprodução assistida – uma em São Paulo e a outra em Ribeirão Preto (veja o quadro). Os primeiros passos do estudo foram dados há dois anos, um ano depois da aprovação da Lei de Biossegurança, que autorizou as pesquisas com células-tronco de embriões humanos, sob certas condições. Uma ação contra a lei levada ao STF ameaçou o prosseguimento da pesquisa. "Nosso trabalho seria perdido caso a Justiça proibisse as pesquisas. Sabia do risco, mas confiei no bom senso dos juízes", diz a geneticista Lygia da Veiga Pereira, do Instituto de Biociências da USP, que coordenou a pesquisa. O bom senso do STF ajudou a escrever um novo capítulo da ciência brasileira.