Política
As razões de cada um - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 19/08A condução dos trabalhos do julgamento da ação penal 470, popularmente conhecida como "a do mensalão", é talvez a tarefa mais delicada que o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ayres Britto, enfrentou em sua carreira. Graças à sua capacidade de alcançar consensos o processo, depois de sete anos de tramitação, chegou a julgamento.Mas também devido a seu temperamento ameno, o presidente do STF muitas vezes é criticado por permitir que personalidades fortes como a de muitos ministros da Corte se sobreponham aos interesses da maioria.É dentro dessa estreita faixa entre a busca de acordos e a imposição da autoridade do cargo que Ayres Britto se movimenta, em busca de um julgamento "com racionalidade, operacionalidade, urbanidade e segurança", para deixar o STF em novembro com a sensação de ter cumprido um dever.A cada bate-boca em plenário, cresce a importância de ter na presidência neste momento um homem afável e respeitado como Ayres Britto.Os desentendimentos entre os ministros nas primeiras sessões não chegaram a macular o julgamento, embora seja desejável que eles se mostrem capazes de chegar a consensos antes que as divergências venham a público.Mais do que ao temperamento de cada um dos envolvidos, atribui-se a interesses específicos as posições tomadas tanto pelo relator Joaquim Barbosa quanto pelo revisor Ricardo Lewandowski, cada um representando um polo no julgamento.Ao revisor, porém, não cabe necessariamente o papel de contraponto ao relator, função que Lewandowski assumiu em declarações públicas, o que de antemão demonstrou seu pendor contra a acusação.Ele vê no relator uma tendência a se alinhar com o Procurador-Geral da República, o que Barbosa considera "uma ofensa", pois pressupõe que comece seus trabalhos com parcialidade.Não é normal que a tarefa do revisor tenha tanto destaque, e por isso não se ouviu falar em revisor protagonista de um julgamento antes do mensalão.No que se refere à sua incumbência direta, Lewandowski aprovou o relatório de Barbosa com um erro evidente, que teve que ser corrigido pelo pleno do STF.O processo contra o argentino Quaglia foi anulado graças ao trabalho de um anônimo defensor público, que denunciou irregularidades que deveriam ter sido detectadas pela revisão do processo.Diz-se que os ministros do STF são 11 ilhas, por decidirem isoladamente, sem o espírito de coletividade. Mas pelo menos uma questão preocupa o conjunto: a credibilidade da Corte.O maior elogio que se pode fazer ao STF, a esta altura do julgamento, é que ninguém tem certeza do veredicto final, embora se possam fazer tentativas de adivinhar o voto de um ou outro membro a partir de atitudes passadas.Mesmo que as provas dos autos devam determinar a decisão dos juízes, as circunstâncias em que os fatos ocorreram dão à narrativa, tanto da acusação quanto da defesa, mais ou menos credibilidade.Por isso é que o relator Joaquim Barbosa fez questão de separar em partes seu voto, para contextualizá-los.Mesmo fatos ocorridos fora dos autos, e que estão na vida cotidiana, que não para enquanto o julgamento prossegue, têm interferência na decisão dos juízes.Foi o caso da decisão do TCU validando a apropriação da agência de Marcos Valério dos bônus de volume que, por contrato, deveriam ser do Banco do Brasil.Essa decisão, revogada em seguida, poderia dar a sinalização ao Supremo de que, em vez de representar desvio do dinheiro público, como quer a acusação, tratava-se de uma atitude empresarial normal.Mesmo não sendo possível se apoiar na nova lei sobre lavagem de dinheiro que está em vigor para acusar um réu, pois quando os crimes foram cometidos a lei era outra, mais restrita, os ministros não ignoram que novos conceitos sobre esse crime de caráter internacional estão sendo aplicados com o objetivo de melhorar o combate ao crime organizado.Nesse mesmo tópico entra o livro do ex-deputado petista Antonio Carlos Biscaia, que foi o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em 2005.Ao relatar pressões que diz ter sofrido por parte de Dirceu para que não fosse à frente o processo de sua cassação e, anteriormente, a relação do então Chefe do Gabinete Civil com o deputado Roberto Jefferson, ele dá mais informações sobre como se passavam as coisas no Palácio do Planalto à altura do escândalo do mensalão.
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