Política
Atolados na desordem Paul Krugman
O ESTADO DE S. PAULO
Como todos aqueles que acompanham as notícias da área de economia e negócios, estou num estado de grande ansiedade econômica. Como todas as pessoas de boa vontade, eu esperava que o discurso de posse do presidente Obama transmitisse alguma confiança, que sugerisse que a nova administração sabe como lidar com este problema.
Mas não foi o que aconteceu. Terminei a terça feira menos esperançoso em relação à direção seguida pela política econômica do que estava pela manhã.
Vamos deixar claro que não havia nenhum equívoco flagrante no discurso - apesar de que, para aqueles ainda na esperança de que Obama fosse abrir o caminho para o auxílio médico universal, foi desapontador vê-lo falando só no custo excessivo do sistema de saúde, sem jamais mencionar o suplício daqueles que não têm seguro.
Além disso, seria de se esperar que o discurso tivesse algo mais inspirador do que uma "era de responsabilidade" - coisa que, para não destacar a coincidência, foi o mesmo que pediu o ex-presidente George W. Bush oito anos atrás.
Mas o verdadeiro problema que percebi no discurso, em se tratando de assuntos econômicos, foi o seu caráter convencional. Em resposta a uma crise econômica sem precedentes - ou melhor, cujo único precedente é a Grande Depressão - Obama fez aquilo que fazem os políticos de Washington quando querem dar a impressão de que agem com seriedade: falou, em caráter mais ou menos abstrato, da necessidade de fazer escolhas difíceis e combater os interesses especiais.
Isto não é o bastante. Na verdade, não é sequer correto.
Esta é, acima de tudo, uma crise provocada por uma indústria financeira fora de controle. E se nós falhamos em puxar as rédeas dessa indústria, não foi porque os americanos se recusaram "coletivamente" a fazer escolhas difíceis; o público americano não fazia ideia do que estava acontecendo, e aqueles que de fato sabiam o que se passava na sua maioria acreditavam que a desregulamentação era uma excelente ideia.
Ou então consideremos esta afirmação de Obama: "Nossos trabalhadores não são menos produtivos que no início da crise. Nossas mentes não são menos inventivas, nossos bens e serviços não são menos necessários do que eram na semana passada, ou no mês passado, ou no ano passado. Nossa capacidade continua intacta. Mas nosso tempo de sermos conservadores, de protegermos interesses estreitos e adiarmos decisões difíceis - esse tempo seguramente passou." A primeira parte dessa passagem quase certamente tinha a intenção de parafrasear as palavras que John Maynard Keynes escreveu enquanto o mundo estava mergulhando na Grande Depressão - e foi um grande alívio, depois de décadas de denúncias feitas por reflexo contra o governo, escutar um novo presidente fazendo referência a Keynes. "Os recursos da natureza e os dispositivos do homem", escreveu Keynes, "têm a mesma fertilidade e produtividade anteriores. A velocidade do nosso progresso em direção à solução dos problemas materiais da vida não diminuiu. Somos tão capazes de prover a todos um alto padrão de vida quanto antes.
...Mas hoje nos vemos envolvidos numa desordem colossal, tendo cometido erros crassos na administração de um maquinário delicado, cujo funcionamento não compreendemos."
Mas alguma coisa se perdeu na tradução. Tanto Obama quanto Keynes afirmam que não estamos conseguindo utilizar nossa capacidade econômica. Mas a conclusão de Keynes - de que estamos numa situação de "desordem" que precisa ser corrigida - foi de alguma maneira substituída por uma generalidade do tipo somos-todos-culpados, vamos-ser-mais-rigorosos-com-nós-mesmos.
Lembrem-se, Herbert Hoover não via problema em tomar decisões desagradáveis: teve coragem e firmeza de cortar gastos e aumentar os impostos diante da iminência da Grande Depressão.
Infelizmente, isto apenas piorou as coisas.
Ainda assim, um discurso é apenas um discurso. Os membros da equipe econômica de Obama certamente compreendem a natureza da bagunça na qual estamos metidos. Portanto, o tom do pronunciamento pode nada indicar a respeito das medidas futuras de Obama.
Por outro lado, Obama é, como colocou o seu predecessor, o tomador de decisões. E ele terá de tomar algumas decisões extremamente importantes em breve. Em especial, ele terá de decidir o grau de ousadia das suas jogadas para manter em funcionamento o sistema financeiro, cujo panorama se deteriorou de maneira tão drástica que um número surpreendente de economistas, nem todos eles especialmente liberais, agora concorda que a solução pode exigir a nacionalização temporária de alguns dos principais bancos.
Será que Obama está pronto para fazer uma coisa dessas? Ou será que os chavões do seu discurso de posse são sinal de que ele vai esperar até que o senso comum alcance os fatos? Se for este o caso, sua administração se verá perigosamente atrasada em relação aos acontecimentos. Se não tomarmos medidas drásticas rapidamente, podemos nos descobrir atolados na desordem por um longo período.
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