O GLOBO - 15/01
O Banco Central decide hoje os juros após a inflação ter surpreendido e o secretário do Tesouro, Arno Augustin, ter dito que “um grupo de atores” está criticando a política fiscal só para ter juros altos. É um ator. Augustin tem sido o epicentro dos tremores recentes que cercam os indicadores fiscais do Brasil. E, na semana passada, o Tesouro aceitou pagar 13,39% de juros ao ano em papéis de 10 anos.
A contradição entre o discurso do secretário do Tesouro e o resultado do leilão de títulos públicos na semana passada foi apontada pelo jornal “Valor Econômico”, que trouxe a longa entrevista com ele. Arno disse ao jornal que há “uma pressão sobre o governo para que tenha um determinado comportamento em juros”.
A fala teatral dele tem alguns endereços. Um é o próprio Banco Central, que hoje decide a taxa Selic. É uma forma de dizer que o BC não deve abandonar a intenção anterior de reduzir o ritmo de elevação da taxa. Seria ótimo se fosse reduzido o ritmo, mas, depois da inflação divulgada na sexta-feira, há pouco espaço para o BC pisar no freio. O outro endereço da fala do secretário é a plateia. Ela já não acredita na peça que o governo levou a cartaz recentemente: a de que o governo cumpriu a meta fiscal de 2013.
Não foi apresentado desta vez, felizmente, o espetáculo dos números mágicos de outras temporadas. O público já entendeu como os truques são feitos, com despesas, em saltos ornamentais, transformando-se em receitas; ou com dinheiro saindo da cartola através de endividamento para virar empréstimos a entes públicos que, por sua vez, antecipam dividendos. Isso tudo ficou velho.
Em 2013, o número a que o governo se propôs como meta encolheu ao longo do ano. No final, precisou de receitas extraordinárias; mas, tudo bem, são receitas e não foram gastas. O enredo da peça desta vez teve outros efeitos especiais: liberação de investimento nos últimos dias do ano para serem sacados apenas nos primeiros dias de 2014; atraso na transferência da parte que cabe aos estados das receitas extraordinárias; e, claro, não podiam faltar os restos a pagar. O debate a que o secretário do Tesouro se dispõe é sobre o tamanho deles. Com todo o elenco presente no palco, o ato final é: o número, apesar da redução da maquiagem, de novo, não é exatamente o que parece.
Há na Secretaria do Tesouro, para aflição de funcionários de carreira, um centro de ilusionismo que já não convence mais o público. A boa notícia é que, ao contrário do que acontece na Argentina, o IBGE não se dispõe a fabricar índices para a alegria do governo. O IPCA de dezembro desagradou, mas mostrou o que todos sentem: a inflação não está cedendo. Permanece resistente, como tem alertado o Banco Central.
Os malabarismos para que o índice não subisse foram muitos e foram representações de outros atores. Coube ao Tesouro ser o caixa a pagar o preço das decisões de reduzir impostos, reprimir preços, diminuir tarifas para que o grupo dos administrados chegasse ao fim do ano com uma inflação de 1,5%. Seria ótimo se fosse verdade, mas faz parte da encenação. Apesar de tudo isso, a inflação teve o pior dezembro em uma década, e o número da inflação anual continua encostado em 6%, mesmo num país que cresce tão pouco.
O Banco Central já elevou os juros e mesmo assim não conseguiu entregar o que se propôs no início do mandato: uma inflação na meta ao final de 2012. Nem com um ano de atraso isso foi atingido.
Há muitos atores nesse palco em que se encena a peça sobre números duvidosos e suas perigosas consequências. O espetáculo já deveria ter saído de cartaz.