27/04/2010 |
O chanceler Celso Amorim concluiu ontem em Teerã, onde foi recebido pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad, um breve giro por algumas das capitais onde se desenrola, com enfoques distintos, o contencioso sobre o programa nuclear iraniano, alegadamente para fins pacíficos, mas suspeito de se destinar à produção da bomba. O chefe da diplomacia brasileira esteve antes na Rússia, que gradativamente se aproximou da posição dos Estados Unidos pela adoção de uma nova rodada de sanções da ONU contra o Irã por suas recorrentes violações do Tratado de Não-Proliferação (TNP) de que é signatário. As transgressões consistem na recusa iraniana de dar aos inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), das Nações Unidas, o acesso às suas instalações, materiais e equipamentos nucleares, bem assim aos cientistas envolvidos no programa, como estipula o TNP. A recusa nunca é taxativa, evidentemente. Manifesta-se pelo silêncio ou pela fraude. No ano passado, por exemplo, quando os Estados Unidos revelaram a descoberta de um centro clandestino para a produção de urânio enriquecido, nas montanhas próximas à cidade sagrada de Qom, Teerã alegou que estava para comunicar a sua existência à AIEA. A outra escala de Amorim foi Ancara, na Turquia, cujo governo compartilha com o do Brasil a oposição às sanções, preferindo que a comunidade internacional insista nos entendimentos diplomáticos com a República Islâmica. Ambos os países são membros transitórios do Conselho de Segurança da ONU, onde a questão terá de ser decidida. Argumentam que as sanções serão ou inúteis ? como foram as três séries anteriores ? ou contraproducentes: se ferirem a economia iraniana, com efeitos diretos para a vida da população, levarão Teerã a um endurecimento com amplo apoio interno. Em termos práticos, Brasil e Turquia propõem dar uma nova chance ao esquema pelo qual o Irã enviaria à Rússia e à França cerca de 3/4 do seu urânio enriquecido a 3% para recebê-lo de volta, mais tarde, a 20%, para a produção de isótopos radiativos, com fins medicinais. A ideia chegou a ser acolhida em outubro passado pelos negociadores iranianos na AIEA. Em janeiro, dando a entender que temia que o material seria simplesmente confiscado, Ahmadinejad disse que o Irã só faria negócio se a troca fosse simultânea ? um contrassenso para a intenção de reduzir os estoques iranianos de urânio passíveis de enriquecimento para fins militares. Em favor da posição brasileira, Amorim lembra que os turcos, "membros da OTAN e vizinhos do Irã, são provavelmente os últimos a querer uma bomba iraniana", como disse em entrevista publicada domingo no Estado. O argumento ignora os vínculos históricos entre os dois países. Já no caso do Brasil, nada remotamente parecido com isso existe. Outra diferença é de atitude. A Turquia defende o diálogo com Teerã, porém é aliada tradicional dos EUA. Mais importante ainda, o seu presidente, Abdullah Gül, não corteja nem confraterniza com Ahmadinejad, como faz o presidente Lula ? para perplexidade dos observadores internacionais. "Chamam-nos de ingênuos", protesta o chanceler. Seria interessante saber que adjetivo ele aplicaria a Lula ao ouvi-lo falar que, na sua visita ao Irã, perguntará a Ahmadinejad, "olho no olho", se pretende fazer a bomba. Amorim soa razoável ao dizer que "é possível fazer um acordo que dê conforto relativo ? pois absoluto não há ? de que o Irã não terá um arsenal nuclear mínimo a médio prazo, ao mesmo tempo respeitando o direito iraniano de ter energia nuclear para fins pacíficos". O único senão do seu raciocínio é que jamais o Irã buscou efetivamente esse acordo, nem mesmo depois da mão estendida do presidente Barack Obama. Não será Lula quem o conseguirá. A diplomacia brasileira desconcerta pelo simplismo: na contramão das ambições por uma vaga permanente no Conselho de Segurança, deixa de participar dos debates sobre a natureza das eventuais sanções enquanto prega o diálogo, como faz a China, por exemplo. Mas o pior mesmo é ser "a única democracia ocidental", como aponta a candidata Marina Silva, "que tem dado audiência para Ahmadinejad". |