Menos de um mês depois de promover o Brasil a potência petroleira, Lula promoveu-se a presidente de uma potência olímpica. Em 6 de setembro, Dia da Segunda Independência, não precisou de um só barril a mais para apresentar ao mundo o caçula da OPEP. O que resolveu que vai acontecer daqui a 10 ou 15 anos pareceu-lhe suficiente. Em 2 de outubro, depois de derrotar os ianques, os espanhóis e os japoneses na Batalha da Dinamarca, não precisou de uma única medalha de bronze para instalar o país no clube dos colossos esportivos. Bastou o que resolveu que vai acontecer no Rio em 2016.
O curto espaço entre os dois assombros avisa que a metamorfose ambulante sofreu mais uma mutação para pior. Lula sempre se apropriou do passado para fingir que fez o que outros fizeram. Quem ouve a discurseira imagina, por exemplo, que a inflação liquidada em 1994 pelo Plano Real foi banida em 2003. Pois o maior governante da história agora deu de também expropriar o futuro para moldá-lo às conveniências do presente ─ e fingir que já foi feito o que está por fazer. O craque que vive assumindo a paternidade de gols alheios passou a reivindicar a autoria dos que nem aconteceram.
A fantasia seria menos inverossímil se Lula não inaugurasse o futuro sempre em companhia de gente que eterniza o passado. No descobrimento do pré-sal, protagonizou uma superprodução futurista à frente de um elenco de cinema mudo liderado pelos canastrões José Sarney e Edison Lobão. No comício em Copenhague, anunciou a ascensão do Brasil à primeira divisão do planeta num palanque de segunda. O país não tem sequer arremedos de política esportiva. Investe apenas, e equivocadamente, no esporte de alto rendimento. O Brasil coleciona fiascos a cada Olimpíada por falta de direção e de verbas.
Dinheiro existe de sobra, esclareceu o presidente ao comunicar que serão investidos no Rio quase R$ 30 bilhões. A bolada vai ser muito maior, corrigiu o sorriso de empreiteiro malandro no rosto da cartolagem. E boa parte vai engordar o patrimônio dos campeões do salto sobre cofres públicos, modalidade não-olímpica praticada com muita competência por figurões federais e supercartolas.
Só os olhos gulosos dos bandidos e a miopia dos idiotas incuráveis enxergam um Brasil dividido entre nacionalistas grávidos de patriotismo com o triunfo incomparável e traidores da nação em aliança com os mortos de ciúme da Cidade Maravilhosa. O Brasil não precisa hospedar a Olimpíada para afirmar-se como nação em marcha acelerada para longe das cavernas. O Rio não precisaria virar sede dos Jogo de 2016 para merecer as atenções, o respeito, o carinho e os investimentos que a mais bela das cidades reclama há décadas. Consumada a escolha, ninguém minimamente sensato vai torcer pelo naufrágio. Mas o desastre só será evitado se a tripulação for trocada a tempo.
Em 2003, os cariocas souberam que o Pan-2007, orçado em R$ 400 milhões, traria como dote a linha de metrô da Barra, a despoluição da Baía de Guanabara, a ressurreição da Lagoa Rodrigo de Freitas e outros espantos. A conta ficou em R$ 4 bilhões e os milagreiros nada santos esqueceram o prometido. Tudo será feito agora, reincide Carlos Nuzman, que presidiu o comitê do Pan, preside o COB e presidirá o comitê dos Jogos de 2016. É errando que a gente aprende, recita Orlando Silva, ministro do Esporte desde 2006, que forma com Nuzman uma dupla que anda fazendo bonito nos torneios de gastança suspeita promovidos pelo Tribunal de Contas da União.
O cinismo dos vendedores de ilusões só não é mais espantoso que a euforia da multidão de iludidos. Com o mesmo entusiasmo dos vampiros encarregados da administração, os doadores festejam a ampliação do banco de sangue.