Augusto Nunes Aperte o gatilho com moderação
Política

Augusto Nunes Aperte o gatilho com moderação



Coisas da Política
Jornal do Brasil - 03/12/2008

Não sabiam com quem estavam falando aqueles quatro jovens que, na noite de 30 de dezembro de 2004, resolveram "mexer" – palavra do réu – com a garota que saía do luau na praia puxada pela mão de um rapaz sisudo. Se soubessem, decerto teriam evitado provocar o promotor Thales Ferri Schoedl, então com 26 anos e fama de esquentado. A ofensa à honra da namorada, decidiu, não poderia ficar sem resposta. Simultaneamente, sacou a carteira de autoridade e o Taurus. Os inimigos não recuaram. Ele deu um tiro para o alto e outro para o chão. Os inimigos avançaram. Ele correu alguns metros, parou, voltou-se para os perseguidores, apontou-lhes a arma e começou a disparar. Matou um, feriu outro e foi para casa.

Na semana passada, a questão que ainda divide e atormenta o Ministério Público foi liqüidada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo – com a mesma objetividade exibida há quatro anos pelo garotão que não leva desaforo para casa. Por unanimidade, os 23 desembargadores dispensaram Schoedl de quaisquer culpas, remorsos, insônias ou exames de consciência. Não houve crime, recitaram em coro os jurados de primeira classe. Não existe pecado quando o suposto pecador preenche os quesitos fixados pelo artigo 25 do Código Penal.

"Entende-se em legítima defesa", diz o texto, "quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem". Houve, efetivamente, agressão injusta a direitos do casal. Mas só magistrados com a visão nublada pelo corporativismo conseguiram enxergar no tiroteio promovido pelo jovem pago para promover justiça o uso moderado dos meios necessários. Para subtrair-se ao confronto físico com jovens que, embora mais altos e musculosos, não tinham semelhanças com os pitbulls que infestam casas noturnas, Schoedl esvaziou o tambor do Taurus.

Não age moderadamente quem, depois de dois tiros de advertência, dispara mais 10. Para matar, soube tarde demais Diego Mendes Modanez, 20 anos, e nunca esquecerá Felipe Siqueira Cunha de Souza, 21, que sobreviveu a ferimentos graves. Nada que mereça punição, acaba de informar o Tribunal de Justiça de São Paulo.

O comportamento dos 23 desembargadores ao longo da sessão comprova que, além de providos de notório saber e reputação ilibada, todos foram imunizados contra dúvidas pela Divina Providência. Nenhum deles perdeu tempo com hipóteses incômodas. Imagine-se, por exemplo, que um dos sobreviventes nada tivesse dito à namorada de Schoedl, e tivesse participado da correria para evitar o espancamento. Ao ver os amigos ensagüentados, resolveu furtar o revólver do guarda ao lado e explodido a cabeça do promotor. Seria condenado por assassinato? Ou também beneficiado pela interpretação generosa do artigo 25 que manteve um homicida em liberdade?

Em liberdade e, se depender do Tribunal de Justiça, brevemente em ação nos tribunais. Há quatro anos recebendo sem trabalhar o salário hoje superior a R$ 28 mil, Schoedl tem o apoio dos desembargadores para sair por aí convencendo jurados a botarem na cadeia assassinos comuns. (Tem também o endosso do ministro do TSE Ricardo Lewandowski, o Libertador de Toga, responsável pela concessão da liminar que devolve Schoedl ao emprego). Só a sensatez da maioria do Ministério Público tem mantido o colega na residência da família.

Se retomar a carreira numa comarca do interior, será estranho ver um assassino tentando provar que aquele acusado por crime de homicídio merece cadeia. Se voltar ao emprego na capital, correrá o risco de ser escalado para punir baderneiros de uma torcida organizada que, agredidos a pauladas por vândalos rivais, reagiram a bala e mataram dois ou três. Se tiver juízo, tratará de declarar-se impedido. Se tiver memória, o advogado de defesa arrolará o promotor entre as testemunhas de defesa. Legítima defesa.

Também por unanimidade, a imprensa foi condenada, por facciosismo e parcialidade, pelos mesmos desembargadores que trataram com tanta brandura o jornalista Antonio Pimenta Neves. Há dois anos, o executor de Sandra Gomide pousou ali com mais de 19 anos de prisão nas costas. Saiu com a pena reduzida a 18. Feroz com jornalistas que escrevem, o tribunal esbanja clemência com quem só mata.




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