Nunca foi tão apropriado um chamamento quanto o feito pelo ministro Carlos Ayres Britto em seu discurso de posse na presidência do Supremo Tribunal Federal: "Mais que impor respeito, o Judiciário tem que se impor o respeito".
Os desaforos distribuídos pelo antecessor Cezar Peluso em suas entrevistas de despedida do posto, bem como o revide de um de seus alvos, o ministro Joaquim Barbosa, acusando-o de manipular resultados de julgamentos, evidenciam a carência do atributo invocado pelo novo presidente da Corte.
As brigas ao molde de ambientes desatinados não são novidade no Supremo. Vira e mexe um ministro se indispõe publicamente com o outro. Não quer dizer que sejam condutas aceitáveis. A repetição as torna mais condenáveis.
Mas agora a ausência de cerimônia chegou ao ápice, levando a credibilidade da Corte ao rumo do declínio.
O ministro Peluso disse o que quis sobre a presidente Dilma Rousseff, sobre um senador da República, sobre a corregedora do Conselho Nacional de Justiça, sobre a independência jurisdicional do Supremo.
Acabou ouvindo o que não deve ter gostado de ouvir de um de seus pares a quem chamou temperamental, complexado e permeável a pressões da opinião pública por insegurança.
Em entrevista ao jornal O Globo, Joaquim Barbosa deu o troco com juros e, como se dizia antigamente, correção monetária.
Nos trechos amenos chamou Peluso de "ridículo", "brega", "caipira", qualificou sua passagem pela presidência do STF como "desastrosa" e o acusou de ter "incendiado o Judiciário inteiro com sua obsessão corporativista".
Alguns adjetivos nem precisavam ser ditos por outrem, pois o próprio Cezar Peluso tratou, recente e anteriormente, de expô-los ao escrutínio público em posições assumidas nos votos ou declarações.
Joaquim Barbosa, contudo, foi muito além: acusou Peluso de manipular resultados de votações, usar das prerrogativas do cargo para fazer valer sua vontade, criar "falsas questões processuais" e na imputação mais grave de todas referiu-se a roubo e prevaricação.
Ou há outra interpretação possível para o trecho em que o ministro diz que o então presidente aproveitou a ausência dele do STF para lhe "surrupiar" processo em que era relator a fim de "ceder facilmente" a pressões?
Se os ministros do Supremo não estivessem fora da jurisdição do Conselho Nacional de Justiça seria um caso de se proceder a averiguações.
Não se discutem as razões do ministro Barbosa, até compreensivelmente agastado com o que considera tratamento desrespeitoso por parte de Cezar Peluso em relação às limitações impostas por seus problemas de saúde.
A questão aqui é o conteúdo: ou bem as acusações de Barbosa são verdadeiras ou decorrem de destempero e teríamos um juiz desprovido da serenidade indispensável ao ofício.
Em qualquer das hipóteses, sai ferida a instituição. Nivelada ao clima geral de torpeza, atingida em sua credibilidade. Seja pela ausência de qualificação pessoal ou por suspeições inadmissíveis em integrantes da Corte conceitualmente Suprema.
Caldo de galinha. Um ministro do PT, experiente participante de comissões de inquérito, avalia que o caso Cachoeira é a mais grave denúncia já vista por ele. Pela amplitude e profundidade da rede de ilegalidades. Pior até que o esquema PC. Como petista, não faz referência à gravidade comparativa do mensalão.
Não obstante o alcance das suspeitas, ele aposta (descontado o imponderável) que as investigações ficarão restritas ao âmbito do já apurado pela Polícia Federal e que, pelos nomes já ventilados para compor a CPI, prevalecerá a "prudência".
O ministro não acredita que suas excelências enveredem pelo caminho da retaliação recíproca nem que tenham interesse em ampliar o espectro de acusados. Faz um cotejo com a CPI da Petrobrás: começou embalada em clima de fim de mundo e terminou em estado de reversão de expectativas justamente por ação da aludida "prudência".