Acaba de ser publicado o último livro do papa Bento XVI, aliás, Joseph
Ratzinger, intitulado Jesus de Nazaré, da Entrada em Jerusalém à
Ressurreição. Sem dúvida, trata-se de uma grande obra de teologia, com
extremo refinamento na análise filosófica, que o coloca na melhor
tradição dos pensadores cristãos.
A sua obra, certamente de valor universal, tem também uma significação
especial para o País, na medida em que se contrapõe a uma tendência
ainda muito vigente na Igreja brasileira, a da Teologia da Libertação.
Em perda de importância na Europa, continua atual na América Latina. É
ela que dá forma às pastorais da Igreja, em particular à Comissão
Pastoral da Terra (CPT), que criou o MST, e ao Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), além de alimentar sua cruzada contra a
modernização do Código Florestal. Esse setor da Igreja se alinha, e
deles participa ativamente, aos ditos movimentos sociais -
organizações revolucionárias que procuram abolir o capitalismo e
instaurar uma sociedade socialista no País. Posicionam-se,
explicitamente, contra a economia de mercado, o direito de propriedade
e o Estado de Direito.
Do ponto de vista doutrinário, elevam Che Guevara, por exemplo, à
posição de um mártir ou santo da Igreja, pois seria um revolucionário
como Jesus teria sido. A noção de revolucionário serve para alinhá-los
numa mesma posição teológico-política, como se fizessem parte da mesma
tradição. Não hesitam, nessa perspectiva, em justificar a violência,
como ocorre em invasões de propriedades, com armas brancas (facões e
foices), cárcere privado, destruição de maquinário e morte de animais.
Nesse contexto, cabe particularmente ressaltar a seguinte passagem do
livro do papa: "A voga das teologias da revolução que, segundo a
interpretação de um Jesus zelote, tinha procurado legitimar a
violência como meio para instaurar um mundo melhor - o Reino -
acalmou-se (nos últimos anos). As consequências terríveis de uma
violência motivada religiosamente estão, de maneira radical, diante de
nossos olhos. A violência não instaura o reino de Deus, o reino da
humanidade. É, ao contrário, o instrumento preferido pelo Anticristo -
mesmo com uma motivação religiosa idealista. Ela não serve à
humanidade, mas à inumanidade".
Note-se, preliminarmente, que "zelote", a pessoa que pratica o "zelo"
pela "Lei", religiosamente entendida, é o que não recua diante do
emprego da violência para fazer valer os seus valores. A vontade que
usa desse zelo é aquela que usa a força para impor suas próprias
concepções. A justificativa de um mundo melhor se torna apenas um
instrumento de legitimação do uso da força e da violência, como se,
assim, tudo estivesse permitido. As leis do Estado são simplesmente
desconsideradas.
Observador atento do mundo de hoje, e não apenas do mundo judeu e
helenístico de Jesus, Bento XVI condena de forma radical a violência
política e religiosamente motivada. Já nos anos 70 do século passado
havia criticado fortemente a Teologia da Libertação, mostrando a
incompatibilidade radical entre marxismo e cristianismo.
É bem verdade que, no País, a onda de teologias revolucionárias ainda
não se acalmou. A CPT e o Cimi têm justificado o uso da força enquanto
meio de imposição de seus próprios valores, tomando esses meios como
necessários para a transformação social e política. Livros, textos e
material didático são produzidos, segundo essa concepção, para
crianças e jovens, moldando a sua cabeça, onde a mensagem cristã é
substituída pela revolucionária. Che Guevara, em textos para jovens,
torna-se o herdeiro dessa linha de pensamento, bem ele que zombava,
com zelo, da religião.
Evitando qualquer ambiguidade, Bento XVI chega a dizer que teologias
revolucionárias são instrumentos do "Anticristo", o que é uma
condenação inapelável do ponto de vista religioso. A sua atração, no
entanto, não deixa de ser exercida, precisamente pelo fato de utilizar
uma mensagem "idealista", como quando o discurso revolucionário
aparece travestido de palavras como "solidariedade", "fraternidade",
"luta contra o lucro", "combate ao egoísmo", e assim por diante.
Em termos políticos, trata-se de uma forma de capturar a opinião
pública com palavras que procuram suscitar simpatia à sua causa, que
seria, na verdade, em termos teológicos, uma perversão da verdadeira
mensagem crística. Se estivéssemos apenas diante da violência
explícita, ela seria mais facilmente condenável. Como aparece
revestida de valores idealistas, o perigo é muito maior, pois a sua
máscara pode não ser reconhecida como mera máscara.
O discurso moralmente superior, desta maneira utilizado politicamente,
torna-se uma ferramenta da prática revolucionária. Bento XVI se
posiciona contra essa concepção e essa prática de falsos humanistas,
que se colocam, assim, fora do verdadeiro cristianismo. "No justo
sofredor, a lembrança dos discípulos reconheceu Jesus: o zelo pela
Casa de Deus conduziu-o à Paixão, à Cruz. Trata-se da virada
fundamental que Jesus fez no tema do zelo. Ele transformou em zelo
pela Cruz o "zelo" que queria servir a Deus pela violência. Ele
estabeleceu, então, definitivamente o critério do verdadeiro zelo - o
zelo do amor que se dá".
O tema da justiça é objeto de uma releitura feita a partir do
sofrimento do corpo do Cristo, que, com seu exemplo, mostra um outro
caminho possível para a humanidade, absolvendo, mesmo, os que o
condenavam. É o amor ao outro que toma o lugar da invasão e destruição
do outro.
Logo, o grande desafio que se coloca para a Igreja brasileira e, em
particular, para suas pastorais, como a CPT e o Cimi, vinculados à
CNBB, é se seguirão as orientações teológicas papais ou se continuarão
fundamentadas na concepção de um Jesus supostamente revolucionário. As
palavras de Bento XVI são claras: "Jesus não vem como destruidor; ele
não vem com a espada do revolucionário".