Estou contando os dias para o fim de fevereiro. Nada contra o mês mais curto do ano, mesmo com o dia bissexto, mas porque na última semana acabará o horário de verão. Mesmo matinal por natureza, sinto que o momento das cinco horas da manhã tem cara e escuridão de quatro. O organismo não acredita também no momento 11 da noite. Aposta que é dez, resiste, e, quando dou por mim, virei abóbora.
Dizem que toda essa subversão horária é recompensada pela redução do consumo de energia. Não é o que a minha conta de luz garante. Ela sobe sempre. Subiu até quando tirei férias, certo ano, e deixei a casa fechada. Não houve jeito de provar para a Light que aquela conta cobrava um consumo não ocorrido. Aprendi que no verão, com ou sem horário diferenciado, com ou sem consumo, a conta de luz sobe e o freguês não tem razão.
Pior aconteceu com uma amiga que é síndica de um prédio, a Patrícia. Não tem a ver com o horário de verão, mas é um bom exemplo do que estou contando acima: as contas crescem no verão carioca. A de água do pequeno prédio costumava ser R$ 800. Pulou para R$ 20.000. Ela fez a conta: dá 10 caminhões-pipa por mês em cada um dos apartamentos. Não sei como os vizinhos da minha amiga não se afogaram com todo esse aguaceiro. Ela afogou-se: em trâmites burocráticos para provar que não usou tanta água.
Que tenha sorte na briga com a Cedae. A empresa que se prepare, ela é tinhosa. O prédio que ela administra, nas horas vagas do trabalho de personal trainer, tinha uma árvore. E ela começou a pender perigosamente, ficando cada vez mais envergada. Pelo tamanho, dava para prenunciar uma tragédia caso ela caísse em algum morador, passante, ou nos fios de luz.
Patrícia ligou para Parques e Jardins, que avisou que ela teria que ir ao órgão, pedir autorização, e seria feita uma averiguação. Demoraria dois meses. Ela avisou que nesse tempo a árvore poderia cair e matar uma pessoa. "Não temos nada a ver com isso", alegou o funcionário. Ela ligou para a Defesa Civil, que disse que não mexe em árvore. "E se morrer alguém?", perguntou. "Aí, vamos ver", disse o funcionário. Ligou para a Comlurb, que disse que não cortava porque não era na rua e sim dentro do terreno do apartamento. Ligou para a Light, que disse que não era com ela. Ela avisou que poderia cair sobre a fiação. Nada feito.
Foi quando passou um oficial do corpo de bombeiros e quis falar com a síndica. Disse que havia ali perigo iminente. Pois é, disse ela. E contou sua ronda inútil pelos órgãos públicos. Ele pegou o telefone e na hora ligou para a Light avisando do perigo e dizendo que os bombeiros poderiam fazer o trabalho desde que a empresa cortasse a energia. Cinco dias depois, a Light chegou. Quando estavam lá caminhão, escada, funcionários, serras e caçambas preparadas, o vizinho da frente veio correndo, sem sapatos, aflito, gritando:
- Não desliga a luz, não desliga.
Patrícia, aparvalhada com aquele inesperado obstáculo. Ele explica que a mãe está doente e depende de um aparelho de respiração ligado na energia elétrica.
Patrícia tinha uma solução: a Light colocaria um gerador para a casa do vizinho, desligaria a luz da rua, cortaria a árvore, religaria a luz, levaria o gerador. O que foi feito depois de mais alguns dias e telefonemas insistentes.
Ela ia relaxar, quando chegou a conta de luz que multiplicou por 25 vezes o valor costumeiro. Recomeçou sua luta com os serviços públicos.
Eu me desviei completamente do assunto. O tema era horário de verão. Ele existe para economizar energia. Mas antes eu queria contar que a rua que eu moro na Gávea poderia ser mais agradável. Mas tem dois problemas. Aliás, três. O primeiro é que os donos de todos os cachorros da vizinhança estão convencidos de que o banheiro dos seus animais fica exatamente no meu quarteirão; na calçada do meu lado. O cocódromo canino da Gávea pode ser até tombado; está há anos no mesmo lado, do mesmo quarteirão, da mesma rua. Meus cachorros jamais o usaram, mas eu tenho de contornar os resíduos, olhos grudados no chão.
O segundo problema é que é um cantinho arborizado, parece fim de linha. As empresas de ônibus decidiram que aquele é um bom lugar para deixar seus veículos. Um dia, quando contei 16 ônibus no meio fio de um lado e de outro da rua, me dei conta de que morava numa garagem. Há três administrações na prefeitura - contando os vários Cesar Maia como um só - brigo com as empresas de ônibus. Quando venci, vieram os ônibus escolares. Sábado passado nem dava para parar perto do meu portão, tal a fila de ônibus estacionados ali para o fim de semana.
O terceiro é que nenhum dos fatos acima relatados é passível de ser usado para abatimento no valor do meu IPTU. Dado que a prefeitura não quer saber do meu cantinho, deveria me cobrar menos. Pago demais para viver numa garagem, da qual só saio praticando salto sobre cocô de cachorro.
Eu ia falar do horário de verão e economia de energia. Poderia escrever sobre eficiência energética, mas hoje é sábado de carnaval e achei que você iria preferir uma crônica do cotidiano carioca. Assim, poupa energia para os blocos e a Sapucaí. Bom carnaval.