Enquanto o mercado financeiro estremece, a economia americana desliza, mas se sustenta, e a européia aponta para a recessão. Aqui, o PIB surpreende e cresce 6,1% no segundo trimestre. É um excelente resultado, principalmente porque decorre de desempenho não esporádico, mas saudável. Não houve mágicas como subsídios ao consumo ou intervenções nos preços, como vem sendo feito na China. Ele se baseia num sustentado aumento da demanda interna, o que nos deixa menos vulnerável à desaceleração do mercado externo, e a uma agricultura pujante - ela não só vem evitando mais pressões inflacionárias, mas sustentando também as exportações. Seu crescimento no segundo trimestre foi de 3,1% e no ano, excelentes 7,1%.
Mas, de todos os indicadores, o que mais indica a perspectiva de crescimento sustentável é a taxa de investimento, de 18,7 % no trimestre e de 15,5% em 12 meses. Alguns afirmam que ainda é pouco, é preciso mais para uma economia se expandir a taxa de 6%. Certo, mas tudo indica que o setor privado deve continuar investindo nos próximos meses. É o que revelam os financiamentos do BNDES e a busca de capitais externos. Mais ainda, é altamente significativo que isso ocorra aqui em um cenário externo desfavorável. Confirma, também, a crescente confiança dos investidores nacionais e estrangeiros no crescimento da economia nacional.
VAI DURAR?Pode ser que sim .No momento, há elementos para isso. A economia brasileira não está mais crescendo com o mundo, mas apesar do mundo e está repetindo o mesmo modelo dos seus parceiros do Bric, formado por Brasil, Rússia, Índia e China - um grupo de países que competem ferrenhamente entre si e têm em comum apenas o fato de estarem crescendo muito ao mesmo tempo enquanto os outros param e recuam.
O MERCADO INTERNO QUE SALVAOs quatro países têm apenas em comum a vigorosa expansão do mercado interno, base do crescimento atual, na China, de 10%, na Rússia, 8,5%, na Índia, 8,5%, e agora no Brasil, 6,1%. Também tem sido esse o modelo seguido pelo Brasil, onde o consumo das famílias aumentou 6,7% no segundo trimestre em relação ao mesmo período do ano passado. Ele vem se expandindo há 19 meses e já representa 61% do PIB, constituindo-se hoje numa base sólida, mesmo que ameaçada pela inflação.
Aqui, um risco. Essa expansão do mercado interno deve-se em parte ao aumento de 8,1% da massa salarial, sim, mas essencialmente à expansão do crédito, nada menos que 32,9%, e isso apesar da alta dos juros - o que indica um resultado, no mínimo, delicado.
VAI DAR PARA SUSTENTAR?Nesse ritmo, não. Vai haver grande dificuldade em mantê-lo sem mais pressão inflacionária, provocada pelo aumento da demanda. E essa continua sendo alimentada não só por renda e crédito fácil, mas pelos gastos do governo. Governo, Congresso e Judiciário estão longe de acreditar na necessidade de equilíbrio fiscal e continuam injetando dinheiro a rodo no mercado via generosos aumentos salariais, que somarão R$ 200 bilhões em quatro anos.
RISCOS: INFLAÇÃO E CÂMBIOOutra incerteza é o papel da taxa de câmbio na inflação. Nelson Barbosa, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, afirmou que esse é um ponto crucial. "Ela é que vai indicar o destino da inflação", declarou. Se o dólar continuar se valorizando (estava a R$ 1,781), será mais difícil manter o controle sobre a inflação. É verdade que a redução dos preços das commodities, principalmente agrícolas, pode contrabalançar, em parte, a pressão provocada pelo câmbio. Mas ninguém acredita muito que o recuo dos preços dos alimentos e do petróleo possam equilibrar os efeitos do dólar valorizado.
O QUE SE PODE ESPERAR A previsão do economista Nelson Barbosa, da Fazenda, é razoável e equilibrada. Ele não acredita em uma retração brusca da economia quando os efeitos da elevação dos juros, iniciada em abril, começarem a aparecer, nos próximos meses. Mas, ao mesmo tempo, não vê um crescimento de 6% nos dois próximos trimestres. Deve haver uma acomodação gradual para 4,5% ou 5%, disse. No cenário atual, é isso que pode fazer a economia crescer num clima de estabilidade. Isto é, de forma sustentável.
SEM CRISE LÁ FORANo mercado financeiro internacional, a semana se iniciou com previsões crise, mas nada aconteceu. Após a intervenção do Tesouro americano nas gigantes hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac, cuja quebra ameaçava o sistema financeiro, a bolsa fechou equilibrada; o índice Down Jones até valorizou 1,8% e os demais ficaram em torno de zero. Até mesmo a ameaça de quebra do Lehman Brothers, agora à venda, parecia estar sendo superada.
O governo continua afirmando que não vai socorrer a instituição, como fez com o Bear Stearns e as duas agências hipotecárias. O Lehman deve encontrar uma solução de mercado mesmo, afirmou o secretário do Tesouro, Henry Paulson. E já começavam a aparecer compradores, como o Bank of America e o fundo soberano do governo chinês, que tem recursos ociosos no valor de US$ 200 bilhões. Paulson disse que, no máximo, poderia simplificar as regras da operação. Esperava-se uma solução neste fim de semana, mas mesmo que ela não venha, poucos na City, ontem, acreditavam em uma repercussão maior. Afinal, o caso Lehman não é novo, vem rolando há algum tempo.
Tudo isso confirma que o sistema financeiro internacional vem se mostrando suficientemente forte e preparado para resistir a novas pressões. Está caminhando para iniciar uma fase, até saudável, de ajuste à nova realidade após anos de "exuberância irracional".
EUA: NOVOS SINAIS PREOCUPAMNos Estados Unidos, a economia resiste, mas há indicadores que preocupam, porque podem estar refletindo o comportamento da economia mundial. Por isso, exigem atenção também do Brasil.
As exportações estão crescendo menos, 3,3% em julho, e as importações aumentaram 3,9% no mesmo período. Isso poderia até ser atribuído à valorização do dólar, mas parece ter sido causado, mesmo, pela redução da capacidade das outras economias de continuar absorvendo o excedente da produção americana.
São sinais de que os Estados Unidos talvez não possam continuar dependendo muito do mercado externo para crescer, o que o levaria para uma desaceleração mais forte. Ele terá que se voltar para um mercado interno, ainda retraído e à espera de mais estímulos oficiais e de uma redução dos juros, que pode vir antes do que se espera.
A economia americana resiste, cresce ainda, mas depende agora das exportações para um mercado externo que se estreita. A diferença atual entre o Brasil e os Estados Unidos é que, agora, eles dependem mais do do mercado externo para crescer. O Brasil não. Descobriu o potencial adormecido do mercado interno, mesmo que ele venha com o desafio da inflação a enfrentar. Até agora,enfim, estamos acertando.
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