Vem aí um projeto federal chamado Território de Paz. Missão: levar paz e segurança a favelas no país inteiro. É um ambicioso saco de boas intenções, nascido em Brasília, mas pretendendo mobilizar moradores e autoridades estaduais e municipais.
Todos terão assento em conselhos comunitários de segurança, articulados por um Gabinete de Gestão Integrada Municipal. E tudo faz parte do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, o Pronasci. Uma sigla bonitinha, que não esconde o que logo se percebe: trata-se de um pacote de iniciativas bolado por um pessoal que nunca pisou numa favela. E, parece, nem lê jornal.
Isso fica evidente de saída: a base de todo o projeto é formada por Conselhos Comunitários de Segurança Pública, nos quais líderes dos moradores discutirão "ações de segurança pública e mediação de conflitos".
Parece ótimo, para uma cidade bastante diferente do Rio. Aqui, praticamente todas as favelas são dominadas - o pessoal de Brasília ficará estupefato em saber - por traficantes ou milicianos. Líderes comunitários de verdade, impondo sua autoridade moral aos bandidos, só nos cemitérios locais ou na imaginação da turma de Brasília.
É difícil imaginar, no quadro e no clima que existem nas comunidades, moradores se arriscando a discutir ações de segurança pública. Policiais fazem incursões em favelas, sempre debaixo de forte tiroteio, e muitas vezes com bons resultados imediatos, mas não há exemplo de presença permanente - nem indícios de que seria viável.
Na verdade, a cidade tem uma solitária favela, das pequenas, no Catete, onde o projeto poderia ser implantado. Acontece que existe no morro um quartel do Bope, tropa de elite da PM. Com esse vizinho, um conselho comunitário seria instalado sem susto nem problemas - e, na verdade, sem grande necessidade.
Outro forte elemento de ingenuidade no projeto de Brasília é a parte que trata de "jovens em situação de risco" (ao que parece, um grupo especial, que não deve ser confundido com a massa dos adolescentes favelados que não correriam riscos de qualquer tipo). A idéia é informar cada jovem sobre seus direitos de cidadania". Uma vez "sensibilizados e capacitados", os bons moços favelados poderão "participar de ações culturais". Com isso, garantem os autores do projeto, cada jovem poderá ser "reconhecido na sociedade e largar o crime". Coisa de quem ignora fatos notórios - como a quantidade de chefes locais do tráfico que morrem com menos de 20 anos.
No festival de boas intenções com as quais o governo federal pretende calçar o inferno da vida favelada fala-se muito em lideranças locais. Uma idéia é usar oficinas para capacitá-las "a mediar conflitos e promover a coesão social".
Boa idéia; é uma pena que essas lideranças não existam. Quem manda nas favelas cariocas é traficante ou miliciano; nos dois casos bandidos, e extremamente violentos. E todo mundo sabe disso.
Recente CPI estadual mostrou esse quadro e terminou com o pedido de investigação de uma quantidade desses falsos líderes comunitários. Na maioria, são policiais civis e militares, bombeiros ou agentes penitenciários.
Favelas realmente deveriam ser transformadas em territórios de paz. Por aqui, ninguém parece saber como caminhar nessa direção - mas o pessoal de Brasília pensa que sabe. Mas sua iniciativa corre alto risco de apenas calçar algumas sucursais do inferno com um monte de boas intenções.