As pessoas param de pagar suas dívidas por razões diversas. Em certos momentos, porque a inflação cresce e sua renda mensal não a acompanha; em outros (ou simultâneo), porque os juros aumentam, os prazos encurtam e a prestação não cabe mais no orçamento; ou ainda porque o devedor é um consumista voraz e irresponsável e se endivida mais do que pode. E há os enforcados, que contraem dívida nova para pagar dívida velha, numa bola de neve perigosa e arriscada (o Brasil fez isso nos anos 70/80 e acabou na moratória de 1987 e consequente suspensão de créditos ao País).
Nossas estatísticas sobre inadimplência não são alarmantes, mostram que o brasileiro comum costuma honrar compromissos. Mas há exceções, e algumas surgem de forma endêmica em situações que fogem ao controle do indivíduo e decorrem de transtornos e desacertos na condução da política macroeconômica. Parece ser essa a situação que vivemos hoje. O Banco Central percebeu o descontrole do crédito e decidiu restringi-lo, em dezembro, com ações macroprudenciais. Esperava também que produzissem efeito sobre a inflação. Pouco conseguiu no crédito e, até agora, nada na inflação.
Indicadores variados denunciam o crescimento da inadimplência. Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apurou que 51,5% das famílias brasileiras não têm dívidas, mas, na Região Norte, 54,2% delas admitem não ter como pagar seus débitos. Além disso, 38,6% das famílias inadimplentes confessam não ter condições de pagar contas atrasadas, o que o Ipea considera "preocupante". Preocupada também está a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), que aconselhou seus 800 mil filiados a apertarem o crédito e se prevenir contra o calote no comércio. Pesquisa da Kantar Worldpanel para a Associação Paulista de Supermercados constatou que 53% das famílias brasileiras têm gastos acima da renda, o que estimula a saída pelo crescente endividamento. Já a Serasa Experian, que acompanha passo a passo o crédito ao consumo, revela que, de janeiro a abril, a inadimplência do consumidor cresceu 20,3% em relação ao mesmo período de 2010. E em abril as dívidas não bancárias em atraso (cartão de crédito, financeiras, lojas em geral e contas de água e luz) registraram alta de 55,6% em relação a abril de 2010. Em seu relatório, a Serasa atribui o crescimento do calote ao aumento da inflação e ao maior endividamento das pessoas.
A inflação ascendente que o País vive hoje é a má herança do governo Lula que o governo Dilma promete tratar com rigor, mas permite escapar pelas beiradas. Seu efeito sobre o endividamento das pessoas pode ser perigoso e conduzir o orçamento da família ao descontrole. Aluguel da casa em alta, prestações mais caras de eletrodomésticos, aumento dos juros no cartão de crédito e no cheque especial, tarifas de luz, água, telefone e carnês de escola reajustados. O valor das contas do mês da classe média cresce junto com a inflação, mas a renda da família estaciona e o orçamento familiar estoura. O que fazer? A solução é recorrer ao crédito consignado e tentar economizar nos gastos cotidianos. Mas os alimentos estão mais caros, as passagens de ônibus e do metrô também. É esse o cenário que explica o crescimento da inadimplência hoje.
O dinamismo do crédito é bom, dá suporte ao investimento, faz a economia crescer, prosperar e as pessoas comprarem bens mais caros, que não poderiam fazê-lo à vista. O que não é bom é deixar escapar as condições para o sistema de crédito funcionar de forma saudável, com inadimplência mínima. Aqui, a taxa de juros já é anormal, comparada à de outros países. Se a inflação descontrola, o sistema de crédito cai doente.
Guido Mantega responde que não estamos sós, que inflação em alta é problema de todos os países emergentes. Não é. Nos últimos 12 meses a inflação na Colômbia somou 2,8%; no México, 3%; no Peru, 3,3%; e no Chile, 3,4%. Nenhum desses países precisou sacrificar o crescimento: o FMI projeta para eles taxas de expansão do PIB acima de 4,5% em 2011. No Brasil a inflação está em 6,51% e o PIB não deve ultrapassar 4,5%.
JORNALISTA E PROFESSORA DA PUC-RIO E-MAIL: [email protected]