Não seria a primeira vez. A Colômbia, escolhida para sediar a Copa de
1986, jogou a toalha três anos antes, e o torneio mudou para o México.
O Brasil não vive a mesma crise econômica nem as ameaças do terrorismo
esquerdista e dos cartdis da droga que atormentavam a Colômbia no
período. Em contrapartida, temos colossais problemas de infraestrutura
de transportes e, se ngo enfrentamos crise econômica, não nos sobra
dinheiro para erguer estádios já nascidos com a marca de elefantes
brancos, como, com todo o respeito, os de Natal, Manaus e Cuiabá.
Os aeroportos já são um caso perdido, segundo estudo do Ipea, um órgão
aí da sua cozinha. Nove, entre os treze que servirão ao evento, de
acordo com o estudo, não ficarão prontos a tempo. Na semana passada,
num gesto que soa a desespero, pois contraria um dogma de seu partido,
o governo abriu a possibilidade de privatização dos novos terminais.
Mesmo que seja para valer, não serão dispensadas, é claro, as
concorrências, os contratos, as licenças ambientais, sabe-se lá mais o
quê.
Mas, suponhamos que de certo, e o prognóstico do Ipea não se confirme.
Muito bem, o distinto público consegue desembarcar nos aeroportos.
Suponhamos que num dos aeroportos paulistas. Novo desafio: como chegar
à cidade? Não há trens, e as estradas vivem congestionadas. Como este
6 um exercício de boa vontade, suponhamos mais uma vez que consigam.
Problema seguinte: como chegar ao estádio do Corinthians, no bairro de
Itaquera, o escolhido da Fifa? A linha de metro que o serve está
saturada, e o tráfego nas avenidas com o mesmo destino é de fazer
chorar. Mas suponhamos, mais uma vez, que de certo. Enfim, chegamos.
Mas... aonde? A um terreno baldio. O estádio do Corinthians não 6 mais
que uma hipótese. Nem quem vai pagá-lo se sabe.
"Falo, falo, e não digo o essencial." O essencial desta missiva,
senhora presidente, 6 sugerir-lhe uma estratégia. Se lhe parece
humilhante desistir assim, na lata, a sugestão é a seguinte: brigue
com a Fifa.
Enfrente-a. Como o mundo inteiro sabe, a Fifa não é flor que se
cheire. É uma entidade tão milionária, e tão abusada no uso de seus
poderes, quanto são milionários e abusados seus dirigentes. Pega bem
enfrentá-los. Brigue para que reduzam suas incontáveis exigências. Que
aceitem a reforma de estádios existentes em vez de pedirem tantos
novos. Que assumam parte das despesas. A Fifa está com a corda no
pescoço tanto quanto a senhora. Na melhor das hipóteses, eles romperão
com o Brasil e partirão para uma alternativa de emergência. A culpa
não será da senhora, mas da arrogante inflexibilidade que
demonstraram. Na pior, que já nos é favorável, reduzirão as exigencias
e arcarão com parte dos custos. A senhora já tem assunto demais com
que se preocupar. Precisa livrar-se desta, com perdão pela expressão,
herança maldita.
Em paralelo, e com cuidado, a senhora trataria de reduzir o absurdo
número de doze cidades-sede para os jogos.
A questão exige mais cuidado porque mexe com interesses locais e
porque aqui não foi a Fifa, foi ele, o Outro, que assim quis. Com a
mente intoxicada de Brasil Grande e o olho nos dividendos eleitorais,
ele quis agradar ao maior número de gente possível. Agiu, na
manipulação do futebol, como faziam os governos militares. Na África
do Sul as sedes foram nove; nos EUA, outro país continental, também
nove. Abater o número de sedes diminui despesas e poupa o público do
excesso de deslocamentos. Senhora presidente, ainda lhe sobra espaço
político para agir. Tal qual estão postas as coisas, as alternativas
são colapso absoluto, fiasco total ou fiasco parcial.
" Por que não desistir da Copa do Mundo? Não seria a primeira vez. A
Colômbia, escolhida para sediar a Copa de 1986, jogou a toalha três
anos antes, e o torneio mudou para o México "