Política
Carlos Alberto Sardenberg A salvação?
O Globo - 01/04/2010
Quando um governante tem ampla aprovação popular, decorre daí que está fazendo a coisa certa? Depende do que se entende pela coisa certa, é claro, mas a relação não é direta. É possível que um líder tenha prestígio enquanto faz uma administração absolutamente desastrosa, e isso vale tanto para os eleitos quanto para os ditadores. Também acontece de o candidato mais votado revelarse a pior opção.
Não é preciso procurar muito para encontrar exemplos. Até hoje a China reverencia Mao, que, entretanto, conduziu o país a grandes desastres (fome, economia arrasada, assassinatos em massa). A potência econômica de hoje foi fundada por Deng Xiao Ping, aliás, ele próprio prisioneiro durante a Revolução Cultural maoísta. Mas a relação lá ainda é de um retrato de Deng para cada 50 de Mao.
Como entender? Uma das explicações está na prática de agitação e propaganda, métodos que Mao dominava.
Aliás, os governantes bemsucedidos na admiração popular têm isso em comum, a capacidade de falar diretamente às pessoas — criar slogans simples, lançar um plano atrás do outro, campanhas diversas etc. E mais, claro, os instrumentos da propaganda oficial, cada vez mais desenvolvidos.
Também é importante ter dinheiro para administrar. É a base do populismo, a distribuição de benefícios variados para o maior número possível de setores sociais. Governantes populares conseguem agradar, pelo menos por um certo tempo, tanto os mais pobres quanto as elites.
Ora, mas isso não é bom para o povo e para o país? Depende. Hugo Chávez, por exemplo, usou o dinheiro do petróleo para finalidades tão diferentes quanto contratar médicos cubanos para o interior da Venezuela, estatizar supermercados, lançar lojinhas populares, contratar empreiteiras para grandes obras e comprar aviões de guerra.
Pode ter agradado parcelas da sociedade (além de parceiros estrangeiros), pode ter gerado atividade econômica por algum tempo, mas está claro que não foi bom para a Venezuela.
Na medida em que vai se esgotando o dinheiro do ouro negro, resta uma economia desorganizada, com produção em queda e obras paradas.
A clientela deixa de receber. E a própria estatal do petróleo, a PDVSA, enfrenta dificuldades porque seus recursos foram dilapidados.
Chávez, hoje, vive da agitação e da propaganda, combinadas com a repressão. Em regimes democráticos, o líder popular e populista simplesmente perde eleições quando sua fase se encerra.
O problema é que, em geral, o equívoco demora a aparecer. Inversamente, a história também registra variados casos de governantes impopulares cujo legado, visto em retrospectiva, revela-se um ganho para o país. O bem e o mal têm isso em comum: não raro, demora-se para perceber um e outro.
O presidente Lula está beirando os 80% de aprovação popular. Além disso, o país voltou a crescer e a renda aumentou, em meio a renovado prestígio internacional. O que queriam mais? É o maior presidente de todos os tempos, disse Dilma Roussef.
É verdade que o país está de novo em um bom momento. Mas não é verdadeira a conclusão que o "lulismo" tira disso: que isso tudo só está acontecendo porque Lula é o presidente.
Basta olhar em volta. Muitos outros países emergentes descreveram recentemente trajetória muito parecida com a brasileira: estabilidade macroeconômica e os benefícios de uma onda de prosperidade mundial que elevou espetacularmente os preços de nossos produtos de exportação, trazendo abundância de dólares.
Chile, Colômbia e Peru, por exemplo, para ficar na América Latina, andaram assim.
O Chile tem mais uma coisa em comum. Lá, a então presidente Bachelet herdou a estabilidade econômica, do mesmo modo que Lula recebeu pronta — e manteve — as bases da política econômica, impopularmente montadas por FHC.
Mas por que Lula é o cara e não um dirigente de algum desses outros países? Ora, porque são muito pequenos.
Estável, o Brasil é um paisão de enormes oportunidades econômicas.
Mas Lula e seu pessoal estão fazendo algo muito exclusivo: pregam o lulismo como a salvação e se lançam em políticas, como a ampliação do gasto público e da dominância do estado, cujos problemas só aparecem lá na frente.
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