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Criança ferida em helicóptero no Haiti: o mundo correu em socorro às vítimas do terremoto |
Os relatos enviados à redação de VEJA por Diego Escosteguy, nosso repórter no Haiti, dão conta de uma população vivendo quase em "estado natural", condição que teria prevalecido na humanidade antes do estabelecimento das formas mais rudimentares de organização social. Gangues armadas saqueiam, roubam, estupram e matam. Grupos de haitianos desabrigados pelo terremoto se entrelaçam nas calçadas formando enormes tapetes humanos, de modo a passar a noite com um mínimo de segurança. É um quadro aterrador mesmo para um país que, antes de ser arrasado pelo terremoto, há duas semanas, já era um dos mais abalados pelo bandi-tismo e pela miséria. O inglês Thomas Hobbes (1588-1679) teria agora em Porto Príncipe a chance de ver a realidade apenas teorizada por ele de um mundo sem lei em que a vida humana é "solitária, miserável, sórdida, brutal e curta". A catástrofe natural fez emergir no Haiti o que há de pior na espécie humana.
Mas o terremoto no Haiti fez brotar também o que a espécie humana tem de melhor, a solidariedade. Horas depois do dimensionamento da magnitude da tragédia, partiram ofertas de ajuda de todas as partes do planeta, da vizinha República Dominicana à distante Turquia, da pobre Bolívia a potências econômicas como os Estados Unidos e a Alemanha. Logo se somariam aos 9 000 homens da força permanente da ONU no Haiti, comandada pelo Exército brasileiro, milhares de bombeiros e dezenas de equipes médicas de quase uma dezena de nacionalidades. As doações em dinheiro, alimentos e remédios superaram em volume e rapidez aquelas feitas em outros desastres naturais de larga escala. A Cruz Vermelha recebeu em uma semana o dobro das doações recolhidas durante todo o ano de 2009.
Seria extraordinário se a onda sem precedentes de solidariedade promovida pelo desastre haitiano fosse sucedida de um esforço internacional de igual intensidade com o objetivo de criar as bases de uma nação soberana e estável naquele tão sofrido espaço geográfico. Se para outros países vitimados por catástrofes naturais o objetivo imediato é voltar à normalidade, no Haiti o desafio é, pela primeira vez em sua história, saber o que é desfrutar uma vida normal.