Celso Ming - Crise de confiança
Política

Celso Ming - Crise de confiança





O Estado de S. Paulo
10/9/2008

Durou apenas um dia a euforia dos mercados internacionais provocada pela intervenção do Tesouro americano nas titânicas agências hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac. Elas bateram num iceberg, ameaçam afundar e levar junto outras embarcações.

No entanto, nem a transfusão de US$ 200 bilhões em sangue novo pareceu suficiente para devolver a tranqüilidade. Os investidores, que na véspera festejavam a intervenção, ontem correram para suas tocas. As aplicações de risco foram evitadas e isso poderá repetir-se. Dizer que voltou o pânico é forçar um pouco as coisas. Mas há cada vez menos confiança - e isso é ruim.

Em meados de março, quando o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) comandou o resgate do Bear Stearns, ficou consagrado o princípio de que, em tempos de crise, como agora, bancos importantes não quebram, mesmo que sejam simples instituições de investimento. Também acaba de ser definido que gigantescas agências hipotecárias, ainda que capitalizadas e administradas por interesses privados, também não podem falir, porque isso seria perigoso demais para todo o sistema financeiro do país.

Duzentos bilhões de dólares é um dinheirão; é quase metade do rombo orçamentário americano previsto para o próximo exercício fiscal (US$ 438 bilhões). Mas tanta munição também pode ser uma pista de que a situação é bem mais grave do que até agora vinha sendo admitido pelas autoridades.

O pior é que essa enorme transferência ao caixa da dupla Fannie-Freddie parece pouco para devolver-lhes a capacidade de recomprar as hipotecas que todos os dias são executadas pelos bancos por falta de pagamento dos devedores.

Assim, a idéia de que não haverá naufrágios não é a história toda. É preciso juntá-la à percepção seguinte, de que pode não haver o que chegue. É o que parece ter conduzido ontem os mercados a caírem na real.

Esta é uma situação delicada que engessa os bancos centrais dos países ricos. Apesar da baixa dos preços do petróleo e dos alimentos, a inflação segue atacando e exige o contraveneno dos juros. Mas novo aperto monetário, além de empurrar a economia global para a recessão, encareceria o crédito para os bancos que hoje necessitam quase desesperadamente de recursos novos para reequilibrar suas finanças.

O resultado dessa semiparalisia é um ambiente de fogo baixo na atividade econômica. É improvável que sobrevenha uma depressão braba, mas a contrapartida disso é uma recuperação mais lenta e certa estagnação misturada à inflação alta demais - o que os economistas chamam de estagflação.

Nas circunstâncias, os países emergentes, entre eles o Brasil, estão melhor do que os demais. Devem se ressentir com a desaceleração e com a quebra da atividade econômica dos ricos e isso lhes custará queda de faturamento com exportações e, certamente, um crescimento mais baixo do que o deste ano. Também serão de alguma maneira afetados com a enorme volatilidade dos mercados financeiros.

Mas ao final da ópera provavelmente também estarão melhor do que o resto da economia global. Mas, até lá, pode doer muito.

Confira

Aposta temerária - É pouco provável que o Copom, que se reúne hoje, reduza a dose do aumento dos juros para baixo do 0,75 ponto porcentual que prevaleceu em julho.

Ainda há quem aposte no aumento de apenas 0,50 ponto e se fundamenta no agravamento da crise externa e na queda dos preços dos alimentos. Mas o resto da inflação parece reforçar o argumento básico do Banco Central de que a demanda continua forte demais.

Por trás dessa decisão técnica se esconde um fato político: o de que o presidente Lula quer o País livre da inflação quando das eleições de 2010




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