A imagem da Argentina não é das melhores porque mistura uma ficha ainda não saneada de país caloteiro, algumas mazelas macroeconômicas e certa deterioração do quadro político.
Mas o consultor Dante Sica, ex-secretário da Indústria, garante que, na produção e nos negócios, a economia argentina vai bem e aponta para resultados especialmente bons em 2010.
O lado ruim é conhecido. O calote da dívida, de 2005, até agora não foi digerido no mercado financeiro e isso significa que as portas do crédito seguem fechadas para a Argentina. O levantamento da inflação, realizado pelo Indec (o IBGE argentino), é ostensivamente manipulado e isso cria enormes deformações. Como as estatísticas oficiais não são confiáveis, qualquer um se dá ao direito de fazer suas próprias estimativas e remarcações de preços, quase sempre mais altas do que os fatos permitiriam.
Embora o exercício da oposição seja apenas episódico, o governo vai perdendo apoio no Congresso e já não consegue fazer o que bem entende. A perda de prestígio do casal Kirchner amplifica a sensação de que a economia está desarrumada. Além disso, Cristina Kirchner tem feito estranhas manobras para apropriar-se de reservas externas com objetivo de "pagar dívidas".
Sica observa que, apesar da crise entre o governo e os produtores rurais e depois da quebra de safras no ano passado, a agricultura argentina vai colher neste ano quase 50% mais grãos do que no ano passado. A indústria, que levou um tombo em 2009, está crescendo agora entre 6,0% e 7,5%. A construção civil, por sua vez, que recuou 1,7% em 2009, deve avançar 3% neste ano. As projeções apontam para um avanço do PIB de 4,0% depois da queda de 2,0% registrada em 2009.
A partir do excelente comportamento das atuais safras de grãos, conjugado com o aumento dos preços das commodities, o governo poderá contar com uma boa melhora da arrecadação das retenções (imposto sobre exportações), de nada menos que 27,3%, fator que ajudará a empurrar a receita total deste ano para o patamar de 368 bilhões de pesos, ou 21% acima do nível de 2009. A situação fiscal mais complicada é das províncias, em particular Buenos Aires e a capital.
Sica não teme por dificuldade no refinanciamento da dívida pública (de cerca de 50% do PIB, em termos totais, e de 30% do PIB, considerados apenas os títulos fora de organismos do governo) nem pela piora do quadro fiscal.
Para ele, persistirão as pressões políticas provocadas pelos reajustes de salários e aposentadorias acima da inflação, sobretudo se continuar a perda de força do governo central. Também aumentarão as dificuldades na política de controle de preços da carne, do trigo e de alguns produtos industriais mais sensíveis.
Na área produtiva, os pontos fracos estão na baixa disposição de investir na matriz energética e nos setores mais vulneráveis ao controle de preços. "Por enquanto, a indústria de transformação pode contar com a expansão da produção apenas utilizando sua capacidade ociosa de 32%. Mas a médio prazo será necessário mais investimento", diz.
"Ninguém deve contar com a remoção das travas às importações do Brasil, especialmente em produtos considerados sensíveis como móveis, têxteis, vinhos e laticínios", avisa Dante Sica.