O ESTADO DE SÃO PAULO - 10/07/10
O Fundo Monetário Internacional (FMI) não desempenha apenas a função de médico. É a instituição que sempre está disponível para levar uma economia para a UTI, desde que convocada. O FMI é também uma espécie de cão de guarda do sistema. Está sempre farejando perigo onde ele possa estar.
Nessa semana, divulgou dois informes. O primeiro sobre as perspectivas da economia mundial. O segundo sobre a situação financeira global. É uma mistura de boas e más notícias.
Entre as boas novas está a de que a atividade econômica internacional não está tão mal como tem sido repetido por aí. O PIB mundial, por exemplo, não vai se arrastando como se imaginava, mas aponta para um crescimento (médio) de 4,6% neste ano e de 4,3% no ano que vem, nada mau para quem estava alarmado com as previsões catastrofistas que ainda prevalecem.
Especialmente promissora é a situação das economias emergentes, que, no seu conjunto, devem proporcionar um avanço de 6,8% neste ano e de 6,4% em 2011. Os números sobre o Brasil são coerentes com o que já se sabe: avanço do PIB de 7,1% em 2010 (o Banco Central projeta 7,3%); e de 4,2% no ano que vem (o mercado prevê 4,5%).
Mas o FMI está especialmente preocupado - e esta é a principal má notícia - com o que acontece na área das finanças dos países ricos. A rigor, não está dizendo nada do que já não seja conhecido. A diferença é que, desta vez, fala com a autoridade de quem foi bem mais fundo. Diz que a situação fiscal de importantes países está fortemente deteriorada; que, por conta disso, a situação de um grande número de bancos excessivamente carregados com títulos soberanos ficou fragilizada; que isso tudo está provocando desconfiança sobre a capacidade dessas instituições de continuar suportando essas dívidas e, também, de manter um quadro patrimonial sadio. E essa é a principal tensão que pode provocar uma nova crise global do crédito, que, por sua vez, poderá derrubar a atividade econômica.
O FMI não parece compartilhar com as autoridades dos Estados Unidos, e com tantos outros analistas internacionais, a recomendação de que os Estados nacionais continuem gastando para manter a bicicleta andando. Ao contrário, assume a postura básica da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e do presidente da França, Nicolas Sarkozy, de que a hora é de colocar em marcha planos confiáveis de consolidação fiscal e de fortalecimento da economia da área do euro.
A maior tensão financeira, aponta um dos relatórios, é o fato de que os mais frágeis países da área do euro precisam encontrar bancos que refinanciem nada menos que ? 300 bilhões em dívidas que vencem no terceiro e no quarto trimestres deste ano. E, nessa operação de levantamento de novos recursos, estarão enfrentando a concorrência das necessidades de refinanciamento das dívidas dos Estados Unidos, do Reino Unido e do Japão e de outras potências da área do euro, cujo total no período ascende a US$ 4 trilhões.
Por enquanto o resto do mundo rico conta com o fato de que o investidor internacional (e aí estão também Estados soberanos como China, Índia e Brasil e demais amontoadores de reservas externas) não tem outra opção senão seguir comprando títulos de dívida de países ricos.
E há o precedente do Banco Central Europeu (BCE), que, no momento em que faltou mercado para títulos de países da área do euro, se apresentou como comprador. Mas essa é uma decisão heterodoxa da qual o BCE não pode abusar sob pena de ser acusado de financiar com emissão de moeda as despesas dos Tesouros da área do euro. Foi usada em situação de emergência e esse uso pode perfeitamente ser repetido. Mas há limite para isso, que ninguém sabe onde está e que, no entanto, pode ser rapidamente atingido.