Segundo a lógica política primária de Garotinho, "a bancada evangélica pressionou e o governo retirou o kit gay. Vamos ver agora quem é da bancada da polícia. Ou vota, ou o Palocci vem aqui", disse o deputado da base governista, ameaçando o governo com a convocação do ministro da Casa Civil para explicar no Congresso seu enriquecimento, o que vem sendo impedido sistematicamente pelos governistas em diversas comissões na Câmara.
Temos nesse episódio todos os ingredientes que explicam como o governo Dilma Rousseff saiu de repente do céu de brigadeiro para a zona de turbulência que parece não ter fim.
O mais grave sintoma revelado pela fala de Garotinho é a perda de respeito de parte ponderável da base aliada pela principal figura política do governo, o ministro Palocci.
Primeiro foi o vice-presidente Michel Temer que gritou com ele, reagindo a uma desastrada ameaça de demitir os ministros do PMDB, caso não votassem contra o Código Florestal.
Agora, vem Garotinho referindo-se a ele ironicamente como uma "pedra preciosa" que vale R$20 milhões, valor revelado de seu patrimônio que precisa ser explicado à opinião pública, e só não o é porque ainda funciona a maioria preventiva do governo, que existe apenas para ocasiões como essas.
Mas a que custo, político e moral?
Este é outro aspecto do caso que se evidencia na fala do ex-governador do Rio, de triste memória. A chantagem grosseira que está explícita na fala de Garotinho é o retrato fiel de como o governo mantém uma base parlamentar de 70% do Congresso, que não lhe vale como instrumento de governo, mas sim de proteção.
Garotinho está entre os que vendem proteção política ao governo cobrando alto preço, embora de maneira nada sutil, como é de seu estilo de atuar.
A fragilização do ministro da Casa Civil está provocando casos como esse, e um bom exemplo é o do kit anti-homofobia, em cuja revogação Garotinho teve papel importante à frente da bancada evangélica.
O governo acabou fazendo a coisa certa pela razão errada, pois não podia ceder à chantagem tão evidente da bancada das igrejas - aí incluída a Igreja Católica - mas também não deveria ter tomado a iniciativa de distribuir os tais kits que, mais do que fazer campanha necessária e correta contra a homofobia, fazia mesmo era o elogio ao homossexualismo, o que é muito diferente.
Em vez de refazer o material pela razão correta, isto é, admitir, como fez depois a presidente, que não é papel do governo incentivar inclinações sexuais, o governo deixou-se constranger por uma bancada supostamente aliada, mas que usou o caso do ministro Palocci para conseguir seus objetivos.
Este, por sua vez, em lugar de ser o encaminhador de soluções políticas para uma presidência chefiada por uma neófita no assunto, transformou-se em um complicador.
Mesmo no caso da discussão com o vice-presidente Michel Temer, a atuação de Palocci demonstra que ele está completamente sem condições mínimas de negociar até com seus companheiros de governo.
Melhor do que ninguém, Palocci certamente sabia que fazer uma ameaça desse nível ao PMDB, através do vice-presidente eleito na chapa com Dilma, seria quase um suicídio político.
Por que levou adiante tal iniciativa, que poderia ter sido proposta pela presidente, neófita e de estilo agressivo, mas deveria ter sido abortada pelo conselheiro político habilidoso?
Porque Palocci está fragilizado dentro do próprio governo e de seu partido, de onde partiram as denúncias e no qual poucos se sentem obrigados a defendê-lo.
A história da "consultoria" e do enriquecimento espantoso do então deputado Antonio Palocci ainda não está contada, e, portanto, enquanto ele não vier a público revelar a sua versão, todas as ilações são válidas, inclusive a que desconfia que parte dessa dinheirama é, na verdade, do PT, e não de Palocci. Uma nova versão dos "recursos não contabilizados" que já apareceram no mensalão e voltam a assombrar as campanhas políticas do partido que, um dia, já se apresentou ao distinto eleitorado como exemplo de retidão moral na política, e hoje parece dominado por um bando de vorazes devoradores de recursos públicos, contabilizados ou não.
Seja como for, dificilmente o ainda ministro Antonio Palocci terá condições políticas de exercer suas funções dentro desse clima, e não serão fotos como as que o Palácio do Planalto divulgou que resolverão os problemas reais.
A foto oficial mostra a presidente Dilma Rousseff e o vice-presidente Michel Temer cumprimentando-se olho no olho, mas a linguagem corporal revela uma distância intangível entre os dois, mostra mais as dificuldades que os separam do que eventuais aproximações.
Divulgar essa imagem, ao mesmo tempo em que esconde o pivô da crise para blindá-lo de prováveis complicações, revela uma atitude defensiva do governo que só se explica pela fragilidade das relações com o maior partido da base aliada.
A união do PMDB com o PT, na verdade, só se mostrou útil para a eleição da presidente, uma armação política bolada pelo instinto de Lula que pode, no entanto, inviabilizar o governo.