Thomaz Favaro
Roberto Candia/AP |
Manobras nada radicais |
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América Latina vive atualmente sob duas forças contrárias, uma que puxa para o populismo autoritário e outra que empurra, ainda que com dificuldade, para a normalidade democrática e institucional. Na maioria dos países da região, as eleições presidenciais são o motor que abre caminho para a direção a ser seguida nos próximos anos. Nesse quesito, o Chile é uma admirável exceção. O candidato favorito para substituir a socialista Michelle Bachelet é Sebastián Piñera, um político de direita. Em um país onde a Concertación, coalizão de partidos de centro-esquerda, domina a política desde 1990, trata-se de uma tremenda mudança, percebida, no entanto, como um acontecimento perfeitamente normal – o que não é pouco considerando-se a história do continente, cheia de veias abertas e, recentemente, de canais de oposição fechados. A última vez em que um conservador ganhou nas urnas no Chile foi em 1958. No primeiro turno, marcado para o próximo domingo, Piñera tem 38% das intenções de voto e uma boa distância de seus adversários, o ex-presidente Eduardo Frei (27%) e o socialista Marco Enríquez-Ominami (22%). As pesquisas para o segundo turno indicam uma vitória apertada de Piñera. Independentemente do candidato vencedor, a escolha do novo presidente não implicará alterações radicais de rota. O Chile consolidou nas últimas décadas um modelo econômico que vem dando resultados e é muito improvável que mude de direção. "Os candidatos à Presidência coincidem em relação aos principais desafios do país: melhorar a educação e modernizar o estado", disse a VEJA o sociólogo chileno Patrício Navia, da Universidade de Nova York. "As diferenças entre eles resumem-se a questões de ênfase e prioridades."
Mistura de acadêmico, empreendedor e político, Piñera disputa a Presidência pela segunda vez – em 2006, perdeu no segundo turno para Michelle Bachelet. Economista com Ph.D. em Harvard, fez fortuna ao introduzir os cartões de crédito no Chile, na década de 80. Hoje, é um dos três chilenos a figurar na lista de bilionários da revista Forbes. Piñera é acionista majoritário da companhia aérea LAN Chile, dono do time de futebol Colo Colo e do canal de televisão Chilevisión – motivos pelos quais é desdenhosamente comparado pela oposição ao italiano Silvio Berlusconi, embora não se saiba de nenhuma "daquelas" histórias. Boa parte da popularidade atual deve-se ao que ele não é: membro da Concertación. Há vinte anos no poder e sem uma geração de novos líderes, a coalizão entre socialistas e democratas-cristãos enfrenta um desgaste natural. No ano passado, sofreu sua primeira derrota nas urnas: onze das quinze principais prefeituras foram para a oposição. Criada para vencer o ditador Augusto Pinochet no plebiscito convocado pelo próprio, em 1988, e conduzir a democratização sem sobressaltos, a Concertación emplacou quatro presidentes sucessivos. Nestas eleições, optou pela candidatura do mais enfraquecido entre eles. Eduardo Frei, da conhecida dinastia política, governou entre 1994 e 2000 e deixou o Palácio de La Moneda com meros 28% de aprovação. A escolha de um velho cacique provocou um racha entre seus membros. O socialista Marco Enríquez-Ominami, de 36 anos, deixou a coalizão para concorrer independentemente e conseguiu quase um quarto das preferências de voto.
Com a possível alternância de partidos, o Chile cimenta seu caminho rumo à normalidade. Em uma América Latina repleta de histriões bolivarianos, loucos para refundar isso e aquilo, a mais sólida história de sucesso na região é construída em tom discreto. A estabilidade política do Chile está na chave do avanço econômico. O país cresceu em média 5% ao ano desde 1990, o dobro da média da América do Sul. Ainda assim, é um país pequeno, com uma economia equiparável à do estado do Rio de Janeiro, que não foge à sina latino-americana da dependência de commodities: o cobre representa 45% das exportações. O crescimento, no entanto, permitiu notáveis avanços no campo social. Desde 1990, o índice de pobreza caiu de 38% para os atuais 14% da população, e a indigência está próxima de ser erradicada. Nenhum outro país da América Latina conseguiu resultados na mesma proporção. Graças a um fundo soberano criado no tempo de vacas gordas, o Chile dispunha de 20 bilhões de dólares para estimular a economia no início da crise mundial – o que explica, em parte, a popularidade recorde de Michelle Bachelet, com 77% de aprovação. Em uma tentativa de transferir prestígio, Eduardo Frei passou a fazer campanha ao lado da mãe da presidente, Ángela Jeria, de 83 anos. Os chilenos dirão se colou.