VEJA
Um sono de 120 000 anos
Bactéria volta à vida após permanecer milênios
sob o gelo da Groenlândia, em condições
semelhantes às existentes em muitos planetas
Leandro Beguoci
Penn State | |||||||
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Uma pesquisa com uma bactéria adormecida por 120.000 anos sob o gelo da Groenlândia, anunciada na semana passada por cientistas da Universidade do Estado da Pensilvânia, pode representar um formidável avanço no campo da astrobiologia – o ramo da ciência dedicado à busca por vida fora da Terra. Durante seu confinamento através dos milênios, a bactéria Herminiimonas glaciei permaneceu sob uma montanha de gelo de 3 quilômetros de espessura, com oxigênio escasso e poucos nutrientes, a 56 graus negativos. Após colherem a bactéria, os pesquisadores a mantiveram durante onze meses a temperaturas entre 2 e 5 graus positivos. Ao fim desse período, o organismo voltou à vida, se reproduziu e formou uma colônia. Isso significa que podem existir organismos semelhantes em outros planetas nos quais há condições ambientais parecidas – como Marte – também adormecidos. "Ambientes extremamente gelados são os mais parecidos com possíveis habitats extraterrestres", explica a bioquímica Jennifer Loveland-Curtze, que liderou o estudo.
Kendrick Taylor |
A 3 QUILÔMETROS DO SOLO O gelo retirado do subsolo no qual foi encontrada a bactéria: para sobreviver em ambientes hostis, a espécie reduziu sua atividade biológica |
A capacidade de resistência da Herminiimonas glaciei impressiona por não se tratar de um organismo próprio do gelo. A espécie sobrevive sob as geleiras por causa de seu tamanho reduzido. A bactéria usa de maneira eficiente a energia produzida com base em quantias ínfimas de nutrientes. A pouca atividade biológica evita danos ao DNA e, consequentemente, impede a morte do organismo. Estima-se que existam na Terra 3 milhões de espécies de micróbio – bactérias, fungos e protozoários. Os cientistas só conhecem 8 000 delas. Algumas bactérias moram e se reproduzem no interior de vulcões submarinos em temperaturas superiores a 110 graus. A bióloga Vivian Pellizari, da Universidade de São Paulo, que realiza pesquisa sobre microrganismos na Antártica, compara o estudo americano a um quebra-cabeça sobre a vida. "Bactérias não têm ancestral comum, e cada descoberta traz uma combinação de DNA que não existe mais", diz ela. "Ao encontrarmos bactérias sob o gelo, descobrimos seres que provavelmente não tiveram contato com as formas de vida atuais. Isso nos ensina muito sobre como a vida se desenvolve em nosso próprio planeta", ela conclui.