Senado aprova referendo sobre um terceiro
mandato. O presidente da Colômbia diz que
não quer, mas é difícil crer em sua sinceridade
Duda Teixeira
Vanderlei Almeida/AFP |
PEDE PARA SAIR Uribe discursa no Rio de Janeiro, em abril: pelo bem da democracia, ele deve deixar a Presidência no ano que vem |
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O presidente Álvaro Uribe, da Colômbia, está pavimentando um caminho que seria melhor que evitasse: aquele que leva ao terceiro mandato consecutivo. Na última terça-feira, o Senado da Colômbia aprovou a convocação de um plebiscito sobre o direito de o presidente se candidatar mais uma vez em 2010. No ano passado, a Câmara de Deputados já havia dado aval a uma proposta similar, mas com uma ressalva importante: Uribe só poderia ser candidato em 2014, pulando um mandato. Cabe agora à Corte Constitucional se pronunciar. Se der luz verde, a mudança constitucional pode ser aprovada com mais de 7 milhões de votos em um referendo popular.
Álvaro Uribe, cujo mandato termina em meados do próximo ano, finge que não é com ele. "Não desejo a amargura de que as novas gerações me vejam como alguém apegado ao poder", disse numa palestra, na semana passada. A afirmação seria um alívio para o continente, que parece trilhar a direção oposta. Em fevereiro, o venezuelano Hugo Chávez obteve em um referendo o direito de se candidatar indefinidamente. O equatoriano Rafael Correa e o boliviano Evo Morales alteraram sua Constituição para abrir a possibilidade de se perpetuarem no poder. O argentino Néstor Kirchner usou a artimanha de eleger a esposa, Cristina. Uribe, assim, poderia ser a voz da razão em uma América Latina farta de atropelos constitucionais e descaso pelos valores republicanos. O problema é que é difícil acreditar nele.
"É bom olhar com reserva qualquer declaração de Uribe. Ele pode estar repetindo o mesmo jogo de cena que fez em 2005", disse a VEJA a socióloga colombiana Carolina Galindo, da Universidade do Rosário, em Bogotá. Naquele ano, quando negava o interesse pela reeleição, Uribe conseguiu alterar a Constituição e se candidatou novamente. O limite de dois mandatos consecutivos é a regra na maioria dos países presidencialistas. Fernando Henrique Cardoso, que também mudou a Constituição para poder se reeleger, criou uma frase definitiva nesse assunto: "Três mandatos já é monarquia", disse. A história ensina que, na América Latina, a reeleição consecutiva é a fronteira que separa o autoritarismo populista (a praga do continente) dos regimes democráticos, como os existentes no Brasil e no Chile.
Caso ceda à tentação e resolva o emaranhado legal em menos de um ano, Uribe manchará uma carreira política notável. Quando assumiu a Presidência, em 2002, o país estava acuado pelos narcoterroristas das Farc, do ELN e pelos paramilitares. O presidente pôs fim à política de conivência com os criminosos e os combateu com vigor, equipando o Exército e investindo em inteligência. O número de sequestros caiu 85% em seu governo. O combate frontal à guerrilha rendeu momentos emocionantes, como a libertação de Ingrid Betancourt em uma ousada operação militar. O fim da insegurança ajudou os negócios. O crescimento econômico chegou a 7,5% em 2007 e o investimento estrangeiro quintuplicou. Esses feitos fizeram com que a popularidade do presidente ultrapassasse os 90% em meados do ano passado. "Uribe pode deixar o cargo com nota 10, mas, se insistir em um terceiro mandato, ganhará só 5", disse a VEJA Héctor Ricardo Leis, da Universidade Federal de Santa Catarina. Espera-se que o presidente resista à tentação.