25 Novembro 2014 |
Na China, com um regime fechado politicamente e centralizado do ponto de vista econômico, o Estado é onipresente e ocupa todos os espaços. Controlando o poder central das regiões e províncias, o Partido Comunista Chinês (PCC) domina a burocracia e define as regras para o funcionamento da economia.
Não é de surpreender, portanto, que os membros do PCC estejam entre os grandes corruptos e corruptores do país. Em 2013, o partido puniu mais de 182 mil de seus membros por corrupção, 50 mil a mais do que a média anual dos últimos cinco anos. A campanha anticorrupção já derrubou diversas personalidades da alta hierarquia do partido - inclusive um ex-presidente e família - e mais de 50 autoridades de nível ministerial. Com uma delas foi encontrado o equivalente a R$ 80 milhões em dinheiro vivo. E mais de 500 membros de um governo regional, por terem participado de uma quadrilha de compra de votos e caixa 2, estão sendo investigados. Na primeira metade de 2014 a Justiça chinesa abriu mais de 6 mil investigações sobre membros do partido. Nesse mesmo período, o Partido Comunista puniu com expulsão cerca de 84 mil membros por "infrações à disciplina", eufemismo de corrupção, um aumento de 30% em relação a 2013.
O novo presidente da China, Xi Jinping, com o objetivo de restaurar a autoridade moral do Partido Comunista, pôs o combate à corrupção como peça central das reformas políticas que prometeu. Afirmou que o governo combaterá a corrupção firmemente e punirá "moscas e tigres", ou seja, corruptos de todos os escalões. Os donos do poder perceberam que sem uma reação pública das lideranças políticas a corrupção endêmica poderia acarretar danos ao partido e ao Estado.
Embora em escala menor que na China, mas de porte que cresce de forma galopante, se somarmos, entre outros, os "malfeitos" de PC Farias, o mensalão e, agora, o escândalo da Petrobrás, o prejuízo aos cofres públicos é monumental. E se os que estão fazendo delação premiada comprovarem tudo o que estão dizendo, teremos um verdadeiro terremoto político em 2015.
No Brasil, quando se trata da apuração de casos de corrupção, a impunidade tem sido a regra. O julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) - muitos acreditam - foi um ponto fora da curva. Relatório recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que, em julgamentos entre janeiro e julho deste ano, apenas 31% dos processos sobre corrupção nas Justiças estaduais (casos de improbidade e crimes contra a administração pública) resultaram em condenação dos réus. E mostra também que esse porcentual pode cair, pois os condenados têm direito a recorrer.
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil é leniente com nossas empresas multinacionais acusadas de obter contratos mediante alegados subornos. De acordo com recente relatório da organização, o País levou apenas um caso à Justiça. E concluiu que no Brasil, desde que aderimos à Convenção de Combate ao Suborno de Funcionários Públicos Estrangeiro em Transações de Negócios Internacionais, há 14 anos, ninguém foi punido.
A decisão do Departamento da Justiça e da Securities and Exchange Commission (SEC) - equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) -, nos EUA, e das autoridades holandesas de apurar a corrupção na Petrobrás introduz agora uma dimensão internacional ao escândalo, com garantia de plena apuração dos fatos e condenação dos envolvidos, como é regra nesses países.
Por que é importante chamar a atenção para a maneira como o presidente chinês está atuando no combate a corrupção?
Em primeiro lugar, para demonstrar que a existência de um partido hegemônico, controlando as empresas públicas e as rédeas do governo, sem adequada fiscalização da oposição e dos órgãos de controle existentes, leva a um grau inimaginável de corrupção. A liderança do presidente chinês tem obviamente a motivação política de reforçar o próprio poder e de fortalecer um PCC desgastado pela corrupção crescente. Isso prova também que uma decisão como essa só pode vir de cima quando, dentro da máquina do Estado, não há instituições independentes para apurar, julgar e punir os corruptos.
Questionada sobre o escândalo da Petrobrás, um dos temas recorrentes na campanha eleitoral, a presidente do Brasil disse que se vai empenhar na investigação, "doa a quem doer", e garantiu que "não vai ficar pedra sobre pedra": "Quero todas as questões relativas a essa e a todas as outras investigações sobre corrupção às claras."
Nem no julgamento do mensalão, nem no escândalo da Petrobrás, a iniciativa de apuração veio da Presidência. Por 12 anos o PT jamais se preocupou - bem ao contrário - com a corrupção, identificada pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e eventualmente punida pelo Judiciário, que não dependem dos presidentes. Vamos esperar que, a exemplo de Xi Jinping, a presidente possa - dentro de nosso sistema jurídico - apoiar e facilitar a adoção de medidas punitivas como as tomadas na China, no caso de ficar comprovado que membros do Partido dos Trabalhadores e de outros da base aliada estiveram de fato envolvidos nos escândalos da Petrobrás.
Num regime democrático como o brasileiro, diferente do autoritário chinês, espera-se que o papel do Executivo no combate à corrupção não seja utilizado apenas para empunhar a bandeira da moralidade e fingir um resgate da credibilidade e da lisura do governo, do PT e de sua principal base de apoio. Tudo o que está vindo a público nas delações premiadas - e muito mais ainda virá - deve ser cabalmente apurado e os corruptos, punidos exemplarmente em nome do interesse público, não do partidário.
A oposição tem um papel indelegável de acompanhamento e de fiscalização em todos os passos do processo de apuração, no caso da Petrobrás, iniciados e levados adiante pela Justiça do Paraná, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.
*Rubens Barbosa é presidente do conselho de Comércio Exterior da Fiesp