Política
Como o Atari salvou minha infância- Cássio Peixoto
"Eu nunca tive problemas em dizer que na minha infância as coisas não foram muito fáceis. Problemas na escola - franzino, o menor da turma, apaixonado por quadrinhos e ainda usava óculos - e em minha casa meus pais não nadavam em dinheiro. Então nada, absolutamente, nada era muito fácil. Comprar uma revista era como escalar uma montanha, isso sem falar que tinha que fazer uni-du-ni-tê para saber qual revista comprar, porque era só uma por mês. Em 1983 a febre do video game Atari caiu como um petardo na minha cabeça. No princípio ignorei, mas depois foi impossível. Um ano depois apelei para minha avó, pais, padrinhos, tios, e nada... o sonho de ter um vídeo game era cada vez mais distante. Na época eu estudava em um renomado colégio da cidade. Uma escola pública, mas que por ter mais de 100 anos era muito tradicional e abrigava dos moradores da favela aos projetos de playboys que na época já existiam. Nem preciso contar como minha vida era complicada por lá, mas isso é outra história.
O que interessa aqui é que eu descobri na contra capa de uma revista em quadrinhos da editora Abril que os chicletes Ploc estavam dando 150 vídeo games Atari. Pois é, comprei centenas de chicletes, e o número não é fictício, comprei e catei no lixo muito papel de chiclete para enviar por carta para a Ploc na esperança de ganhar um vídeo game. Pois é, em uma manhã cinzenta os Correios bateram na minha porta. Minha mãe foi atender pois era algo que tinha que ser assinado. Eu vi o nome ploc de longe, mas aquele pacote era muito pequeno para conter um vídeo game. Ou ele vinha em pedaços ou ele era pequeno mesmo. Afinal eu nunca tinha visto um Atari na minha vida só em fotos. Pois bem, nos 20 segundos mais longos da minha vida até então, minha mãe me deu o pacote. Era um álbum de figurinhas da Ploc. Junto uma carta me parabenizando, dizendo que eu tinha sido contemplado... com o álbum. E que eu deveria pegar todas as figurinhas e colar no álbum, completar, e enviar para a Ploc, pois daí, quem sabe, eu não concorreria a um novo lote de Ataris? Pois é... decepcionado, não me dei por vencido e desfilava meu álbum pela escola como se fosse um troféu! E não é que todos me respeitavam? Da noite para o dia virei celebridade! Ouvia pelos corredores: "aquele garotinho ali ganhou um Atari na promoção do chiclete", e é claro, que eu não desmentia. Mas, como tudo que é bom dura pouco, logo alguém descobriu a verdade. "Ah que nada, meu primo também recebeu um álbum desses! Só recebe esse álbum quem não ganha o Atari", disse algum playboy estraga-prazer do qual não me lembro agora.
Aproveitei bastante os meus 15 minutos de fama. Voltei a visitar as latas de lixo semanas depois, mas dessa vez contava com a ajuda dos brutamontes da minha sala, que acreditavam que eu realmente havia perdido alguma coisa nas latas, já que insistiam em me colocar dentro delas. Mas nem tudo é história triste. Minha avó, quase uma santa, que fazia quase todas as minhas vontades, foi na loja mais próxima dela com a minha revista nas mãos e disse: "quero um exatamente igual a esse pro meu neto". Não sei como ela conseguiu, mas comprou um Atari, com os mesmos três cartuchos que estavam no anúncio de uma revista da Abril. E adivinha quem levou uma manete na mochila no dia seguinte pra escola? Não ganhei o beijo da menina mais bonita, nem fiquei mais popular do que merecia, mas bati o record no Space Invaders, quebrei a banca no Space Cavern e jogava River Raid com os pés de tão bom que era! No final sempre vale a pena! Yeah!! " ------------------------------------------------------------------------------------
Li a postagem acima no blog Mucufo, do amigo alvinegro, jornalista e músico Cássio Peixoto, que também postou no Urgente. Achei muito legal e, com a devida autorização do autor, reproduzo aqui no Sociedade.
Tenho certeza que muitos se identificarão com a estória.
Eu fui um deles.
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