Com a bênção do Planalto, o ex-presidente Fernando Collor
deixa as sombras onde se esgueirou nos últimos anos e volta
ao centro do poder. É mais um cadáver político resgatado pela
aliança entre Lula e o PMDB
Fábio Portela e Sandra Brasil
O MUNDO DÁ VOLTAS Collor, mais velho e mais gordo, ganhou uma colher de chá de Lula – logo dele |
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A política admite a volubilidade, as alianças de ocasião e certa dose de incoerência. Mas o que se viu no Senado brasileiro, na semana passada, com a eleição do ex-presidente da República Fernando Collor para a presidência da Comissão de Infraestrutura daquela casa, foi a mais pura falta de vergonha. Com apoio do presidente Lula – repita-se, do presidente Lula –, Collor chegou a um cargo para lá de estratégico. Como presidente da comissão, ele encaminhará a tramitação das ações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o projeto com o qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende alavancar a campanha presidencial de sua ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Lidará, portanto, com a liberação de muitas verbas. Muitas. Para usar uma metáfora cândida, é como colocar a raposa para tomar conta do galinheiro. Mais uma. Collor disputava a posição com a senadora Ideli Salvatti, do PT – aquele partido ao qual, acreditava-se, pertencia Lula antes que ficasse claro que seu único partido é ele próprio. Os senadores petistas não escondem a mágoa pelo fato de o Palácio do Planalto ter-se empenhado ativamente em favor de Collor, por intermédio do ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro. O senador Aloizio Mercadante, com um muxoxo, falou da formação de uma "aliança espúria". Reclamava da composição entre o governo, o PTB de Collor e Múcio e o PMDB de José Sarney e do ínclito Renan Calheiros. Pois é, senador, quem mandou salvar Calheiros, que tinha contas pessoais pagas por uma empreiteira, da cassação em 2007? Depois, convenhamos, o ex-presidente da República, impichado em 1992, é só mais um morto-vivo que o governo federal e seus parlamentares ajudaram a ressuscitar.
A eleição de Collor para a presidência da comissão é desdobramento da eleição de Sarney para a presidência do Senado. No toma-lá-dá-cá que rege a política nacional, Calheiros fez um acordo com o PTB: caso o partido apoiasse Sarney, ganharia a presidência de uma das comissões do Senado. O PTB, ao cobrar a fatura, indicou Collor. Calheiros adorou a ideia e trabalhou – se esse é o termo – com afinco redobrado para que o conterrâneo fosse eleito. Candidato ao governo de Alagoas em 2010, Calheiros restabelece, desse modo, relações, por assim dizer, profícuas com Collor e garante o apoio do PTB e dos meios de comunicação que o ex-presidente controla no estado. O acordo traz ainda outra vantagem ao PMDB: enfraquece o PT. Quanto mais fraco o partido do presidente fica, mais cresce a força do PMDB na coligação que dá sustentação a Lula. Mais força significa mais cargos, e isso, descontados o bem de todos e a felicidade geral da nação, é tudo que os peemedebistas querem, como explicou cristalinamente o senador Jarbas Vasconcelos em sua entrevista a VEJA publicada há três edições.
Dida Sampaio/AE |
BANCADA CONSTRANGIDA Abandonada pelo Planalto, Ideli cumprimenta Collor, o vitorioso. Mercadante (à dir.) considerou "espúria" a aliança que permitiu a eleição do ex-presidente para a Comissão de Infraestrutura do Senado |
O PMDB tem, agora, a presidência do Senado, da Câmara dos Deputados, um PTB domesticadíssimo – e uma avenida pela frente. Quanto ao PT, só lhe resta sentar num tapete atrás da porta e reclamar baixinho, como naquela música consagrada por Elis Regina. A vitória de Collor deixou um travo na garganta das excelências petistas – especialmente na diretamente derrotada Ideli Salvatti. Afinal de contas, ela sempre foi a mais destemida defensora do governo no Senado. Uma verdadeira pitbull do Planalto. Quando o escândalo do mensalão estourou, foi ela a escalada para vociferar em defesa dos petistas. Fez o mesmo quando Calheiros se viu ameaçado de cassação e o Planalto decidiu salvá-lo. "Ideli é o maior exemplo de dedicação ao governo Lula. Nos momentos mais delicados, colocou toda a sua força a serviço do Planalto. Agora, isso não foi levado em conta. E sabemos que essa articulação não foi decisão deste ou daquele ministro. Foi uma decisão do governo. Não foi uma atitude justa", disse o senador Tião Viana, que também viu seu tapete ser puxado pelo governo quando disputou a presidência do Senado com Sarney.
Quem ajuda mortos-vivos a ressuscitar não pode reclamar de ser assombrado por eles. Calheiros, Sarney, Jader Barbalho (que até teve a mão beijada por Lula) foram salvos da degola ou do ostracismo pelo governo petista e seus representantes no Congresso – e estes últimos pagam o preço por ter aberto tanto espaço para o PMDB. "O PT deu uma mãozinha ao PMDB e achou que seu aliado ficaria eternamente grato. Engano. O PMDB voltou mais forte. Os petistas foram bisonhos. Estão colhendo o resultado de sua falta de percepção", diz o filósofo Roberto Romano.
Carlos Silva/Imapress |
BONS COMPANHEIROS Lula chegou a beijar a mão de Jader Barbalho em comício. O paraense é mais um dos que foram salvos pelo jeito lulista de governar |
Quanto a Lula, ele apoiou Collor porque o PMDB o sustentava. E isso, hoje, é mais essencial para Lula do que afagar o PT. O presidente sabe que pode contar com seu partido em todas as circunstâncias, principalmente porque os petistas compõem um sistema de planetas sem vida que gravitam em torno de uma estrela de primeira grandeza: ele próprio. Tanto que escolheu Dilma Rousseff como candidata presidencial em 2010, sem ouvir a agremiação. Já com o PMDB, a história é outra. Além de ter as maiores bancadas do Senado, da Câmara, presidir as duas Casas, ter oito governadores, o partido tem longa tradição de traição – e Lula precisa dos peemedebistas não apenas para governar como também para tentar eleger o sucessor. Fazendo jus à sua tradição, o PMDB, no entanto, continua a lançar acenos à oposição. "Eles dizem que apoiam Lula, mas avançam sobre os espaços do PT no Congresso. Isso mostra que a base governista não é sólida e pode se esfacelar a qualquer momento", diz o senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás.
Apesar das imensas concessões feitas pelo presidente, nenhum cacique do PMDB é capaz de assegurar que o partido estará ao lado do candidato de Lula em 2010. Uma confederação de interesses regionais, o PMDB dá sinais, em pelo menos sete estados, de que pode debandar das hostes lulistas. Em São Paulo, por exemplo, fez aliança com os tucanos. Na Bahia e em Minas Gerais, os peemedebistas podem concorrer contra petistas pelo governo estadual. Para garantir o apoio do PMDB, a tendência é que Lula vá abrindo cada vez mais espaços à sigla – e desagradando aos petistas, que não podem rebelar-se contra um presidente com 80% de aprovação entre os eleitores. Não é improvável, assim, que o Planalto ceda à pressão peemedebista e entregue ao partido o controle do fundo de pensão de Furnas, o Real Grandeza. O PMDB tem uma atração irresistível por fundos – seja de pensão, ações ou dinheiro vivo. Para usar a expressão galinácea do ressurreto Collor em relação a Ideli Salvatti, o partido gosta mesmo é de "ciscar para dentro". Para dentro das contas bancárias de seus integrantes, é claro. O preço a pagar pelo PT e por Lula pode ser político, mas para os contribuintes é eminentemente financeiro. O que falta agora? Falta Lula conduzir Fernando Collor ao palanque em um comício do PT e deixar que elle, com o punho direito fechado, se exiba diante da multidão sob o mar de bandeiras vermelhas e a ela se dirija com seu bordão da campanha presidencial de 1989: "Minha gente!". Collor poderia, então, até fazer um agradecimento: "Obrigado, vocês não me deixaram só!".
Dida Sampaio/AE |
COM ELE NINGUÉM PODE |