Carolina Romanini
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Berço da civilização ocidental e dotado de algumas das paisagens mais deslumbrantes do mundo, o Mar Mediterrâneo já escapou de se tornar um deserto. Há cerca de 6 milhões de anos, quando movimentações tectônicas juntaram o norte da África ao que hoje se conhece por Península Ibérica, o Mediterrâneo acabou separado do Oceano Atlântico por uma cadeia de montanhas. A seguir, entrou num processo acelerado de evaporação, favorecido pela extrema salinidade de suas águas. Restou dele uma planície quase seca e estéril, 1,5 metro abaixo do nível do mar. A sequência de acontecimentos que reverteu esse processo de degeneração do Mediterrâneo e lhe deu a exuberância atual há muito é objeto de especulação dos pesquisadores. Agora, um estudo elaborado por cientistas espanhóis do Instituto de Ciências da Terra Jaume Almera, de Barcelona, divulgado na semana passada, lança nova luz sobre o assunto. Segundo a pesquisa, o Mediterrâneo atual nasceu de um dos mais espetaculares dilúvios já ocorridos na história do planeta.
Há 5,3 milhões de anos, também pelo movimento das placas tectônicas, de acordo com o estudo espanhol, a água do Atlântico se lançou com a força de um tsunami sobre as montanhas que o separavam do Mediterrâneo. As águas correram durante dois anos, com um fluxo equivalente a 1 000 vezes o do Rio Amazonas atual, elevando o nível do Mediterrâneo em 10 metros por dia. Trata-se de um ritmo espantoso para acontecimentos naturais dessa dimensão. A erosão provocada pela correnteza violenta teria criado o Estreito de Gibraltar, estabelecendo a ligação que até hoje perdura entre o Mediterrâneo e o Atlântico. Os pesquisadores calculam que a rápida enchente do Mediterrâneo tenha causado uma diminuição de 9,5 metros no nível dos oceanos, com consequências no clima global e, evidentemente, um impacto incalculável no ecossistema europeu da época.
Os cientistas sempre tiveram dificuldade em determinar a dimensão da enchente que devolveu o Mediterrâneo à vida – e quanto tempo ela durou. Achava-se que os registros da passagem da água tinham desaparecido das camadas de solo sob o Estreito de Gibraltar há muito tempo e que, portanto, seria impossível recuperar como o fenômeno se deu. Para levarem a cabo seu estudo, os cientistas espanhóis se beneficiaram das prospecções feitas recentemente no estreito com vistas à construção de um túnel ligando a Espanha ao Marrocos, no norte da África. Durante as escavações, descobriu-se que as camadas subterrâneas do estreito abrigam um canal com 500 metros de profundidade e 10 quilômetros de largura. O canal tem formato de U, o que leva a concluir que é remanescente de uma enchente duradoura e de grandes proporções.
"Até os anos 90, achava-se que a água que fez o Mediterrâneo renascer havia sido conduzida por rios", diz o geólogo Garcia-Castellanos, que chefiou a pesquisa espanhola. "Agora, os cálculos das medidas da erosão mostram que ela só pode ter sido produzida por um fluxo violento de água", ele completa. Segundo os cálculos elaborados pelos cientistas, a passagem de água do Atlântico para o Mediterrâneo começou lentamente, por uma rachadura. O aumento do fluxo, devido a novos movimentos tectônicos, transformou a enchente num dilúvio que levou pela frente as formações rochosas. A cada dia, a passagem para o Mediterrâneo ganhava mais 0,5 metro de largura. Quem vê hoje os recantos paradisíacos do litoral do Mediterrâneo não o imagina como cenário de um cataclismo dessas proporções.