O Estado de S. Paulo - 02/06/2009 |
Ontem, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Tim Geithner, advertiu os chineses em Pequim de que têm de mudar seu paradigma, passando a focar mais fortemente o consumo interno e não tanto as exportações. Enquanto isso, em Nova York, a General Motors Corporation (GM) pediu concordata reconhecendo que tinha de fechar 14 fábricas, 3 centros de autopeças, 1,1 mil concessionárias e 21 mil postos de trabalho. Os dois fatos (a advertência de Geithner e a concordata da GM) guardam entre si uma certa relação e alta dose de contradição entre os objetivos de política econômica, tal como prognosticados pelo secretário do Tesouro. Nos últimos 15 anos, Estados Unidos e China viveram um arranjo baseado em forte simbiose. Os Estados Unidos puseram-se a consumir produtos manufaturados chineses e estes a aplicar seu resultado comercial largamente superavitário em títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Ou seja, os chineses aplicaram-se a refinanciar o consumo americano que, naturalmente, continha alta proporção de produtos chineses. Do ponto de vista macroeconômico, os dois megadéficits americanos, o orçamentário e o comercial, tiveram como contrapartida enormes superávits comerciais da China. É um jogo que até agora funcionou, mas que já não pode ser prolongado indefinidamente. Não é mais sustentável para os Estados Unidos porque o rombo fiscal (diferença entre receitas e despesas do setor público federal) vai para US$ 1,8 trilhão neste ano. Como já aparecem sinais de que não há a mesma disposição global (e não só chinesa) de continuar a cobrir o déficit americano, os Estados Unidos vão ter de reequilibrar suas contas. Isso equivale a consumir menos, poupar mais e dispensar financiamento externo. Do ponto de vista da China, esse arranjo não é sustentável, entre outros motivos porque não é possível seguir aumentando as reservas externas indefinidamente, que hoje estão perto dos US$ 2 trilhões. E se é para deixar de acumular reservas, a China precisa consumir mais e poupar menos, dando razão a Geithner. A concordata da GM entra na história na medida em que está sendo feita para salvar a empresa no pressuposto de que, depois de quase US$ 50 bilhões em injeção de dinheiro público americano, redução do passivo e menos encargos sociais, possa voltar aos velhos tempos. O recorde de vendas do mercado americano de veículos, de 2007, é pouco superior a 17 milhões (hoje elas não passam de 10 milhões ao ano). O presidente Obama está dizendo que, além de poupar mais, o americano deve rodar em veículos menores e menos beberrões. Se têm de conter mais e consumir menos, não é tão certo que o consumidor americano possa ajudar na recuperação da GM, mesmo que esta venha a dar ênfase aos carros compactos e mais econômicos. O consumidor americano já está atolado em dívidas, vê-se obrigado a conformar-se com salário mais baixo, seu emprego está ameaçado, sua casa não para de perder preço e sua aposentadoria não será o que imaginava no início da carreira profissional. Enfim, o apelo de Obama para que o consumidor aperte os cintos faz todo o sentido. Mas esse quadro não ajuda em nada a indústria americana (e não só as montadoras) a recuperar mercado e capacidade de vendas. Confira Número um - Os números confirmam que a China é o maior importador do Brasil. Nos primeiros cinco meses de 2008, importou 7,9% do total, e os Estados Unidos ficaram com 14,2%. Neste ano, os números são, respectivamente, 13,9% e 10,8%. |