O GLOBO
As frases variam de acordo com o estilo de cada um, e às vezes parecem estar em bocas trocadas, mas o sentido é o mesmo: de Fernando Henrique a Lula, nos últimos 14 anos a carga tributária brasileira subiu nada menos que 10,7 pontos percentuais e hoje, ao atingir 35,8% do PIB pelas contas do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), é muito superior à carga média dos países em desenvolvimento, igualando-se à dos países industrializados.
Faltando dois anos para o término do seu segundo mandato, em seis anos de governo Lula a carga tributária cresceu 4,02 pontos percentuais, segundo o IBPT. Em oito anos de governo FH, a carga tributária aumentou 6,5 pontos percentuais.
Nos 20 anos da Constituição de 1988, a carga tributária aumentou 16,28 pontos percentuais, correspondendo a um crescimento de 80%.
Fernando Henrique disse certa vez, à la Lula, que,se cortasse impostos , mais criancinhas morreriam no Nordeste. O presidente Lula diz que um país com pequena carga tributária não tem condições de realizar as políticas sociais necessárias.
Mesmo parecendo um argumento que faz sentido em dois governos que marcam suas posições por uma política social-democrata, não resiste à análise fria dos números.
O Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento, divulgou estudo esses dias demonstrando que os pobres pagam, proporcionalmente, mais impostos do que os ricos, devido aos impostos indiretos.
Segundo a pesquisa, os 10% mais pobres comprometem 33 % do que ganham com impostos, enquanto os 10% mais ricos apenas 23%.
Na ocasião da votação no Congresso que determinou o fim da cobrança da CPMF, também a professora Maria Helena Zockun, da Fipe, que coordenou uma proposta de reforma fiscal para a Fecomércio, demonstrou que os pobres pagavam proporcionalmente mais CPMF do que os ricos, também devido aos impostos indiretos.
Ela aproveitou cálculos realizados pela revista da USP e converteu o peso da CPMF em proporção da renda de cada bloco de família.
A pesquisa apurou quanto da CPMF incide sobre o consumo das famílias brasileiras, divididas em dez classes de renda e por tipo de consumo.
Por ser um tributo indireto em sua maior parte, as empresas repassavam a CPMF para o preço dos produtos comprados pelas famílias, e assim a alíquota de 0,38% acabava virando entre 1,31% a 1,33% sobre o que gastavam com consumo, não havendo praticamente diferença entre ricos e pobres, que pagavam o mesmo sobre o consumo.
Pelos cálculos do Ipea, de cada R$ 100 de impostos pagos no país, R$ 42 são indiretos. Embora sejam isentos do Imposto de Renda, os trabalhadores de menor renda pagam tributos em todos os itens que consomem, com alíquotas iguais aos de maior renda. A mesma situação ocorria com a CPMF.
Ao converter proporcionalmente o peso da contribuição para cada renda familiar, chegava-se a um claro quadro de desigualdade.
Um dos argumentos do governo para valorizar os efeitos sociais do Bolsa Família, por exemplo, é que ele representa uma injeção de recursos diretamente na fonte, pois os cidadãos de baixa renda gastam tudo o que recebem, fazendo girar a economia do local onde vivem.
O mesmo efeito, porém, leva a que paguem mais impostos indiretos proporcionalmente.
Segundo o estudo da professora Maria Helena Zockun, como quem ganha menos gasta uma parcela maior de sua renda com o consumo, e os de renda mais baixa gastam tudo que ganham, o resultado é que, em proporção de renda, os pobres pagavam mais CPMF do que os ricos.
O estudo do Ipea, por sua vez, demonstrou que os trabalhadores com renda familiar mensal de até dois salários mínimos gastaram 53,9% da sua renda em tributos em 2008, o que representa uma carga tributária maior do que a paga na Dinamarca (48,9%), o país de maior carga do mundo.
Ao contrário, os cidadãos com renda acima de 30 salários mínimos pagaram 29% do que ganham em impostos, uma taxa semelhante à média dos Estados Unidos, que é de 28,3%.
A mesma distorção se verificava na cobrança da CPMF: as famílias que ganhavam até dois salários mínimos por mês pagavam 2,19% da renda total mensal com o tributo, enquanto que as famílias que ganhavam mais de 30 salários mínimos pagavam apenas 0,96% da sua renda total mensal.
Naquela ocasião, o estudo mostrava que, quando se juntava a CPMF aos demais impostos diretos e indiretos, chegava-se à conclusão de que as famílias que ganhavam até dois salários mínimos pagavam pouco mais de 51% da sua renda em impostos, enquanto os que ganham mais de 30 salários mínimos gastam em impostos apenas 27,25% de sua renda. Resultado semelhante ao que chegou agora o Ipea.
Assim como alegavam na ocasião que o fim da CPMF provocaria o caos na economia, o que nunca aconteceu, também as autoridades e muitos pseudo-analistas econômicos acusaram o estudo da professora Maria Helena Zockun, da Fipe, de ser partidário e parcial.
Nunca é de mais lembrar que, se a CPMF estivesse em vigor, a carga tributária chegaria a inacreditáveis 38% do PIB. Nada como um dia depois do outro para mostrar onde está a verdade.
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